O SOM DA MÚSICA: NOSSA BANDA PODE SER NOSSA VIDA XIV

Tuesday, June 26, 2007

NOSSA BANDA PODE SER NOSSA VIDA XIV

PÃO, CIRCO & CANÇÕES-DE-NINAR

Se não me engano, já cheguei a falar de “Beladona” por aqui. Mas certamente nunca cheguei a comentar sobre o texto da canção. E, como se tratava do primeiro tema surgido nas, hoje, mais remotas iniciativas musicais entre mim, Arthur e Daniel (os caras da banda), minha vontade foi a de coletar em texto um apanhado de imagens que evidenciassem o quê voltar a fazer música com banda significava para mim naquele momento...

Já havia tocado em zilhões de bandinhas inexpressivas quando moleque e depois, mais velho, sequer imaginei que pudesse mesmo fazer um lance que caracterizasse o meu peculiar - reconheço - gosto por textos e música. Na verdade até vislumbrava isso, mas teoria era uma coisa às vezes avessa à prática. Além disso, também já havia tido um certo contato com o outro lado da coisa em minhas peripécias como jornalista de música e, de certa forma, voltar a tocar despretensiosamente com um grupo justamente no último dia em que participei, na condição de jornalista profissional, da cobertura de um grande festival de música na minha cidade não poderia deixar de me parecer bastante emblemático. Vale lembrar: o que mais importa é o que as coisas simbolizam para você...

E foi talvez pela razão de tanto me ouvir falando do quanto é bacana descarregar adrenalina tocando que meu colega de faculdade Arthur me chamou para levar um som só de onda na casa dele, em vez de esperarmos pelo decorrer das coletivas marcadas para o último dia de festival. Por essas e outras razões, acabei não presenciando uma, reza a lenda, mal-humorada recepção da imprensa por parte do pessoal dos queridos RHCP. Gostaria de ter presenciado o lance, mas foi por uma boa causa... Talvez eu pudesse até acrescentar alguma pergunta inteligente ao acontecimento, em razão de eu ter preparado uma pauta bacana e imensa para uma entrevista que eu já sabia que não iria vingar, depois de tanto batalhar por uma entrevista exclusiva com os Deftones para a publicação pequena em que escrevia poucos dias antes... Ossos do ofício!

De qualquer forma, foi legal porque pude trocar uma idéia bacana com o pessoal do Diesel (hoje Udora), vencedor do pau-de-sebo em busca de novos talentos produzido pela organização do festival. E, após me certificar de que outro colega de publicação estaria presente à coletiva, saímos para bater um rango e depois rumamos para a casa de Arthur. Chegando lá, eu encontrei uma bateria montada, uma guitarra bacana sem algumas cordas e um ampli parrudo o suficiente para fazermos um certo esporro, mas este blablablá até já foi descrito em algum texto desta seção...

Como mencionei, já falei bastante sobre como pintou o tema musical, mas nunca comentei sobre o texto da canção, que só pintou bem depois numa verdadeira cascata de texto para vários temas das Andaluz Aurora Demos, surgida durante dois dias chuvosos nas minhas férias do trabalho (argh) em algum ponto no tempo entre 2001 e 2004. Antes já havia rabiscado várias frases e faltava apenas compilá-las de algum modo. Arrematei o material de pelo menos umas seis ou sete músicas naquelas madrugadas... Até já havia me predisposto a usar algumas destas frases soltas em um tema em homenagem à nós três mesmos: os três caras que compõem a banda que chamamos de Andaluz.

Era uma viagem sobre o que rolou de musical naqueles improvisos, misturado a muita coisa que passou pela minha cabeça durante todo aquele período cansativo em que tentei acompanhar o que havia de bacana naquele festival de muita disposição e poucas horas de sono. Daí saiu um devaneio maluco do que aquilo tudo representava para mim – até mesmo em função da oportunidade de desmistificar o pouco do que ainda poderia haver em mim de, digamos cof, inocência (ô palavrinha mal-entendida essa aqui, hein!)...

O texto parte da perspectiva do meu imaginário sobre o que rolou do som que fizemos naquele dia. Como na ocasião estava farto do tal rock, quase destruí aquela guitarra de tanto que eu improvisei. E estava há alguns anos sem sequer pegar no instrumento, mais precisamente desde minha participação como guitarrista convidado de uma banda em uma rápida sessão de gravação para uma coletânea em que vários grupos tocavam temas de apenas um minuto – diga-se!

E o espectro da música que materializamos ali ainda reverberava em minha mente sempre que procurava em algum recanto na memória a massa disforme de energia caótica que existe em barulho. Por esta razão, até já havia me predisposto a começar o texto com a imagem de que “há uma fanfarra tocando na minha memória” em uma conexão com o que havia na diversão de simplesmente fazer barulho. Isso me remetia à alegria infantil de criança assistindo às atrações de circo ou mesmo do adolescente entusiasmado que era – e ainda sou – ao fazer ecoar na minha memória vários momentos bacanas do circo roqueiro. Lembranças que voam suspensas no tempo e espaço como selvagens cavalos alados que ricocheteiam furacões. Perspectiva que só pode ser obtida com o devido distanciamento pois, para muitos, já funcionou como uma espécie de buraco negro que os tragou, evidenciando a necessidade da manutenção de conexões permanentes com o que há de mais simplório e singelo da essência individual que se conecta com o imaginário coletivo.

É também um texto que me serve de alerta e norteia a atenção ao que existe de ilusório no truque do mágico, em minhas reminiscências diretas aos bastidores, pois não é preciso vestir uniforme de Bozó ou mesmo de Bozo da Nasa para se perceber certas coisas – o que me remete a uma alusão que Dave Mustaine fez certa vez sobre a ocasião em que teve a oportunidade de conhecer o pessoal do Aerosmith, equiparando seus heróis de outrora a uma espécie de Mágico de Oz reencarnado em formato pop-roqueiro de trupe. Mas aqui, ao mesmo tempo que o narrador fala a si mesmo, também externaliza um aviso para que não se tente domesticar a essência selvagem do rock, ainda mais se a Sopa Campbell oferecida como bálsamo mercadológico tiver gosto e apelo de vômito travestidos pelo verniz de guloseima pop adocicada. Cultura fast food é isso aí... É fast foooda!

O filme encenado no meu imaginário vem acompanhado de trilha sonora que nos remete aos tempos em que se podia ainda imaginar um disco em seu formato físico, evidenciando conexões com nosso próprio prazer - hoje caduco - que sentimos ao ter em mãos uma preciosidade física com cheiro de novo. Em tempos de mp3 player e música digital, isso nos leva à Idade da Pedra de nossa própria experiência como amante de música. Fala também da artificialidade do apelo virtual de promoção então vigente, como se as especiarias de colonizadores ainda tivessem o mesmo valor de troca no escambo com índios em busca do ouro alheio, evidenciando o funcionamento das relações de intercâmbio de impalpáveis bens culturais com as quais os donos-da-bola impõem as regras do jogo conforme melhor lhes convêm... Indies? Sei... O manuseio dos títeres se consolida na mentira e na artificialidade do teatro encenado de cidade em cidade até que se percebam os tolos por trás das máscaras, que se deixam seduzir pelo canto de sereia que arrasta marujos ao fundo do mar como a descarga traga a merda que bóia na privada e depois ainda arrota... Arrout!

E a música do filme que se delineia aos nossos olhos vem amparada por nossa própria memória afetiva porque cada vez mais o "too old to rock'n roll, too young to die" de ontem sempre vai tirar sarro do "forever young" caricato dos Peter Pans que nunca crescem e da garotada que se diverte no playground tirando onda de casca-grossa depois de recompor a energia com o iogurte que é o sangue novo vampirizado como combustível nas traquinagens das engrenagens que avalizam o prazo de validade do próprio embuste que é sua carapaça hardcore, pois o tema inicial da canção era justamente uma brincadeira com a tríade maldita do gênero eternizada a partir do final dos 60 a expirar na metade da década seguinte 70 como excesso de glacê, que hoje rescinde ao combo "guloseima, diversão & meninice" – no que isso tem de bom e de ruim, diga-se.

Durante muito tempo me referia a esta música como "Pão, Circo & Canções-de-Ninar" por pura falta de nome melhor para batizá-la. Como só vim mostrar a música para a galera bem depois de ela concluída, muita gente achou que se tratava de alguma conexão com o trampo de minha garota. Hoje eu acho que a conexão biográfica do título original funciona, sim, aqui em uma acepção que carrega aquilo que pode haver de mais bacana em sua leitura. Mas não foi minha intenção inicialmente batizar essa música desta forma, tanto é verdade que acabei rebatizando a canção com outro nome, depois de ler um belo texto de autor nacional conhecido sobre as particularidades de um vegetal chamado Beladona. Acabei fazendo uma analogia sobre os perigos que existem ao nosso redor o tempo todo, mas que “a priori” são inofensivos desde que mantenhamos um certo recato em relação a eles.

Beladona é uma planta venenosa e até mesmo com potencial, digamos, extra-sensorial. É o que dizem, eu não sei de nada disso! Beladona pra mim sempre foi o nome de um remédio homeopático pra tratar bronquite... Mas, em se tratando de rock pop e da loteria da babilônia que se delinearam das oportunidades para o surgimento de nossos nomes a partir do século XXI por aqui, acho que isso já mostra o bastante de minhas intenções criativas para com o referido tema. É um lembrete para que se mantenha a essência indomável do gênero a fim de que não se venda fácil aquilo que não tem preço, fator que leva o navio das empreitadas de muitos nomes em evidência pop ao naufrágio pelo qual muitos fãs sequer ainda não aprenderam os porquês...

De certa forma, é também uma constatação de que para colocar o trem roqueiro nos eixos é preciso antes de tudo uma certa consciência geral do que já foi feito em outras épocas. É voltar ao trogloditismo Idade da Pedra em comparação ao bom-mocismo do cabresto típico de Footloose ou mesmo ao poder do arquétipo garageiro com o qual três garotos imaginários atiçaram as centelhas criativas em milhares adolescentes nos anos 80, nos tempos em que até o próprio pop britânico simbolizado pelo Cure contemplava, de pé em em frente à praia, sua velhice ou mesmo a necessidade de amadurecimento... Vale ressaltar!

E só tendo tudo isto em mente é que uma banda pode ser a vida de alguém, como evidenciava o tema da banda do Mike Watt ou mesmo as polaróides da vida real do roqueiro alternativo americano nos mesmos anos 80, época que hoje se eterniza como fóssil de uma cultura pop cada vez mais em desuso, como uma caricatura da miss juventude tatuada na mente como uma maldição, mas aprisionada como veterana em corpo de velhota que apenas viu a vida passar pela janela da tevê em uma situação em que o pop é a serpente que come o próprio rabo...

Este pendular do tempo e de nossa própria erigida noção de cultura pop também nos leva às nossas primeiras conexões com os estímulos do elixir de eterna juventude propostos pelo rock-pop fossilizado, mas também nos joga lá na frente nas diversões da velhice que o próprio rock casca-grossa hoje contempla, em reedição do próprio "enverga, mas não quebra" sambista. Mas sabemos que, ainda sim, alheio à sua faceta pop inofensiva ou à assepsia frígida do baticum eletrônico, o gênero há de sempre nos levar rumo ao primeiro show de rock, onde tudo começou, enquanto houver bandas que façam pulsar nossos corações...

Texto open-source de Marcus Marçal. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via email.

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