ARQUIVO DE REPÓRTER IV
Este texto é da safra em que militava no underground carioca em uma inexpressiva publicação de rock radicada no Rio. Há ainda lugar para "inocência" no jornalismo de música? FALA SÉRIO! Como nunca tive pretensão de me aposentar na "posição" que "ostentava", pois só otário perde o tempo fazendo sempre a mesma gororoba pseudo-profissional, obviamente fui com muito orgulho, e hoje sou mais ainda, persona-non-gratta em vários momentos, aos quais esmiuçarei definitivamente na seção MINHA AUTOBIOGRAFIA NÃO-AUTORIZADA, a fim de que um possível leitor ocasional não me tache injustamente de escroto sem contextualização do lance. São pessoas que desrespeitam a integridade da vida particular alheia, se dizendo pessoas de boa índole! VÃO AO INFERNO!
Enfim, mudemos de assunto. Acompanho o trabalho do trio desde que assisti no início dos anos 90 ao primeiro videoclip do grupo veiculado na MTV. Quando tive oportunidade de conferir o som ao vivo, cheguei a trocar idéias com os caras para uma entrevista para um zine que fazia. Mas, como acabei não fazendo novas edições, só fui fazer texto sobre a banda na época em que eles se preparavam para gravar seu segundo disco, em 1999 ou 2000, salvo engano. Aproveitei um intervalo entre as gravações do disco e falei com os caras. O texto integral da entrevista, eu republico posteriormente por aqui qualquer dia desses na seção ENTREVISTÃO.
Desde então, os Devotos passaram a se autoproduzir e até hoje lançam bolachas impecáveis com ótimos petardos de punk rock e hardcore. Quando me der na telha, posto por aqui minhas impressões sobre os demais discos da galera.
Raiva e Esperança
Desde o término do contrato com sua antiga gravadora, os Devotos do Ódio passaram algum tempo sem a perspectiva de lançamento de um possível segundo álbum. E olha que os Cannibal (baixo e voz), Neilton (guitarra) e Celo (bateria) já haviam passado por uma tremenda arapuca típica do vicioso mercado fonográfico antes mesmo de sua estréia em disco com Agora Tá Valendo, lançado pelo selo Plug radicado na BMG, quando tiveram de abortar uma anterior empreitada em disco que só otário cairia. Mas tocaram bola para frente e agora reaparecem sem ódio no nome, por conta das discriminações que sofriam. Batizado agora apenas como Devotos, o grupo recifense radicado no Alto José do Pinho lança agora uma nova bolacha produzida por Dado Villa-Lobos.
Tudo começou com um bate-papo de Dado e Cannibal nos intervalos de uma partida de futebol para o programa Rock & Gol, da MTV. O legionário disse ao líder dos Devotos que, quando pintasse uma vaga em seu então recém-montado estúdio, bastava o pessoal de Recife vir para o Rio de Janeiro e arranjar estadia, para que ele produzisse o novo material composto pela banda. Iniciada numa rápida temporada carioca em setembro de 2000, a empreitada se concretiza agora com o lançamento do álbum epônimo, pela própria Rock-It (selo do ex-guitarrista da Legião).
Ódio Renovado
A despeito da mudança no nome, o som do trio continua raivoso. O resultado é pra lá de satisfatório, em grande parte pela boa produção, como atesta Cannibal. "Conseguimos o som que queríamos. O primeiro álbum é bom, mas não reflete nosso peso ao vivo. Agora conseguimos isso", revelou o vocalista em um intervalo entre as gravações. Na ocasião não havia nada acertado quanto ao lançamento do disco. Villa-Lobos estava apenas dando "uma força" ao pessoal, mas resolveu apostar na qualidade do material.
Um dos destaques do álbum é a faixa "Alien", com efeitos de guitarra que destoam do hardcore ortodoxo, além de um ótimo refrão e uma boa letra de Cannibal. Fala de um extraterrestre se deparando com o sofrimento de "ter" de se adequar ao Sistema para sobreviver em nosso planeta. Também chama a atenção o discurso sócio-político de "O Herói", que aborda uma história real: a do policial Otávio Lourenço Gambra, vulgo Rambo, responsável pela morte de um trabalhador em favela de Diadema/SP. O incidente ficou famoso por intermédio das imagens captadas por um cinegrafista amador exibidas exaustivamente no Jornal Nacional. O forte teor da letra é amparado por um instrumento curto e grosso.
Nova Fase
A produção de Dado Villa-Lobos fez com que o som dos Devotos ganhasse em atmosfera e ambiência. Mas algumas canções da safra ainda nos remetem à tosqueira tradicional do grupo. É o caso de "Aos Exilados", "Nobre", "Mais Armas? Não!" e "Nós Faremos Com que Você Nunca Esqueça", que recorrem ao hardcore tradicional e não deixam nada a dever ao legado de baluartes como Olho Seco e RxDxPx, ainda que sobressaiam características próprias. O mesmo vale para "A Vida que Você Me Deu", com sampler de Bob Marley e uma atípica passagem reggae aos padrões sonoros do trio, inclusive com a participação de Ras Bernardo. Esta música caracteriza uma ligação entre duas estéticas distintas porém contundentes: o reggae e o punk rock. Rock de combate, entende? Outra participação especial faz a liga na releitura de "Selvagem", dos PdS, com aval em carne-e-osso do próprio autor da canção.
Em "Camarada", os Devotos intertextualizam os Titãs de "Estado Violência" com sua a própria criação e apresentam uma faceta percussiva inaudita ao grupo. "Favela" e "Aos Exilados" refletem as motivações da nova fase da banda em disco, recheadas de passagens tribais e wah-wahs do guitarrista Neilton, aquele mesmo que construiu sua primeira guitarra com sucata. Dados a ressaltar encerram as duas canções: um cântico funk a cargo da prole do produtor finaliza "Favela" e "Aos Exilados" é marcada pela inserção de uma canção de Mercedes Sosa.
Realidade
O destaque do disco é a pungente "Meu País", que poderia ter sido uma autêntica ode aos 500 anos, em que Cannibal duela a bela melodia com Toni Platão. Apesar da letra cáustica, a música deixa transparecer uma oportuna esperança por dias melhores. Sentimento concretizado no dia-a-dia da favela do Alto José do Pinho, região antes mais conhecida pela criminalidade mas agora um celeiro de novos músicos. Este é o lema de "Meu Bairro", homenagem ao berço miserável de Cannibal e cia.
Com o novo álbum, o trio de Recife nos mostra como fazer música impregnada de verdades cotidianas, mas sempre carregada de esperança. Devotos, segundo álbum do grupo, nada mais é do que quarenta minutos de uma realidade que não deve ser esquecida - o que muitas vezes é mais importante do que a própria "música".
Texto open-source escrito por Marcus Marçal em 2000. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via e-mail.
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Enfim, mudemos de assunto. Acompanho o trabalho do trio desde que assisti no início dos anos 90 ao primeiro videoclip do grupo veiculado na MTV. Quando tive oportunidade de conferir o som ao vivo, cheguei a trocar idéias com os caras para uma entrevista para um zine que fazia. Mas, como acabei não fazendo novas edições, só fui fazer texto sobre a banda na época em que eles se preparavam para gravar seu segundo disco, em 1999 ou 2000, salvo engano. Aproveitei um intervalo entre as gravações do disco e falei com os caras. O texto integral da entrevista, eu republico posteriormente por aqui qualquer dia desses na seção ENTREVISTÃO.
Desde então, os Devotos passaram a se autoproduzir e até hoje lançam bolachas impecáveis com ótimos petardos de punk rock e hardcore. Quando me der na telha, posto por aqui minhas impressões sobre os demais discos da galera.
Raiva e Esperança
Desde o término do contrato com sua antiga gravadora, os Devotos do Ódio passaram algum tempo sem a perspectiva de lançamento de um possível segundo álbum. E olha que os Cannibal (baixo e voz), Neilton (guitarra) e Celo (bateria) já haviam passado por uma tremenda arapuca típica do vicioso mercado fonográfico antes mesmo de sua estréia em disco com Agora Tá Valendo, lançado pelo selo Plug radicado na BMG, quando tiveram de abortar uma anterior empreitada em disco que só otário cairia. Mas tocaram bola para frente e agora reaparecem sem ódio no nome, por conta das discriminações que sofriam. Batizado agora apenas como Devotos, o grupo recifense radicado no Alto José do Pinho lança agora uma nova bolacha produzida por Dado Villa-Lobos.
Tudo começou com um bate-papo de Dado e Cannibal nos intervalos de uma partida de futebol para o programa Rock & Gol, da MTV. O legionário disse ao líder dos Devotos que, quando pintasse uma vaga em seu então recém-montado estúdio, bastava o pessoal de Recife vir para o Rio de Janeiro e arranjar estadia, para que ele produzisse o novo material composto pela banda. Iniciada numa rápida temporada carioca em setembro de 2000, a empreitada se concretiza agora com o lançamento do álbum epônimo, pela própria Rock-It (selo do ex-guitarrista da Legião).
Ódio Renovado
A despeito da mudança no nome, o som do trio continua raivoso. O resultado é pra lá de satisfatório, em grande parte pela boa produção, como atesta Cannibal. "Conseguimos o som que queríamos. O primeiro álbum é bom, mas não reflete nosso peso ao vivo. Agora conseguimos isso", revelou o vocalista em um intervalo entre as gravações. Na ocasião não havia nada acertado quanto ao lançamento do disco. Villa-Lobos estava apenas dando "uma força" ao pessoal, mas resolveu apostar na qualidade do material.
Um dos destaques do álbum é a faixa "Alien", com efeitos de guitarra que destoam do hardcore ortodoxo, além de um ótimo refrão e uma boa letra de Cannibal. Fala de um extraterrestre se deparando com o sofrimento de "ter" de se adequar ao Sistema para sobreviver em nosso planeta. Também chama a atenção o discurso sócio-político de "O Herói", que aborda uma história real: a do policial Otávio Lourenço Gambra, vulgo Rambo, responsável pela morte de um trabalhador em favela de Diadema/SP. O incidente ficou famoso por intermédio das imagens captadas por um cinegrafista amador exibidas exaustivamente no Jornal Nacional. O forte teor da letra é amparado por um instrumento curto e grosso.
Nova Fase
A produção de Dado Villa-Lobos fez com que o som dos Devotos ganhasse em atmosfera e ambiência. Mas algumas canções da safra ainda nos remetem à tosqueira tradicional do grupo. É o caso de "Aos Exilados", "Nobre", "Mais Armas? Não!" e "Nós Faremos Com que Você Nunca Esqueça", que recorrem ao hardcore tradicional e não deixam nada a dever ao legado de baluartes como Olho Seco e RxDxPx, ainda que sobressaiam características próprias. O mesmo vale para "A Vida que Você Me Deu", com sampler de Bob Marley e uma atípica passagem reggae aos padrões sonoros do trio, inclusive com a participação de Ras Bernardo. Esta música caracteriza uma ligação entre duas estéticas distintas porém contundentes: o reggae e o punk rock. Rock de combate, entende? Outra participação especial faz a liga na releitura de "Selvagem", dos PdS, com aval em carne-e-osso do próprio autor da canção.
Em "Camarada", os Devotos intertextualizam os Titãs de "Estado Violência" com sua a própria criação e apresentam uma faceta percussiva inaudita ao grupo. "Favela" e "Aos Exilados" refletem as motivações da nova fase da banda em disco, recheadas de passagens tribais e wah-wahs do guitarrista Neilton, aquele mesmo que construiu sua primeira guitarra com sucata. Dados a ressaltar encerram as duas canções: um cântico funk a cargo da prole do produtor finaliza "Favela" e "Aos Exilados" é marcada pela inserção de uma canção de Mercedes Sosa.
Realidade
O destaque do disco é a pungente "Meu País", que poderia ter sido uma autêntica ode aos 500 anos, em que Cannibal duela a bela melodia com Toni Platão. Apesar da letra cáustica, a música deixa transparecer uma oportuna esperança por dias melhores. Sentimento concretizado no dia-a-dia da favela do Alto José do Pinho, região antes mais conhecida pela criminalidade mas agora um celeiro de novos músicos. Este é o lema de "Meu Bairro", homenagem ao berço miserável de Cannibal e cia.
Com o novo álbum, o trio de Recife nos mostra como fazer música impregnada de verdades cotidianas, mas sempre carregada de esperança. Devotos, segundo álbum do grupo, nada mais é do que quarenta minutos de uma realidade que não deve ser esquecida - o que muitas vezes é mais importante do que a própria "música".
Texto open-source escrito por Marcus Marçal em 2000. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via e-mail.
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