O SOM DA MÚSICA: ARQUIVO DE REPÓRTER IV

Thursday, March 15, 2007

ARQUIVO DE REPÓRTER IV

Este texto é da safra em que militava no underground carioca em uma inexpressiva publicação de rock radicada no Rio. Há ainda lugar para "inocência" no jornalismo de música? FALA SÉRIO! Como nunca tive pretensão de me aposentar na "posição" que "ostentava", pois só otário perde o tempo fazendo sempre a mesma gororoba pseudo-profissional, obviamente fui com muito orgulho, e hoje sou mais ainda, persona-non-gratta em vários momentos, aos quais esmiuçarei definitivamente na seção MINHA AUTOBIOGRAFIA NÃO-AUTORIZADA, a fim de que um possível leitor ocasional não me tache injustamente de escroto sem contextualização do lance. São pessoas que desrespeitam a integridade da vida particular alheia, se dizendo pessoas de boa índole! VÃO AO INFERNO!

Enfim, mudemos de assunto. Acompanho o trabalho do trio desde que assisti no início dos anos 90 ao primeiro videoclip do grupo veiculado na MTV. Quando tive oportunidade de conferir o som ao vivo, cheguei a trocar idéias com os caras para uma entrevista para um zine que fazia. Mas, como acabei não fazendo novas edições, só fui fazer texto sobre a banda na época em que eles se preparavam para gravar seu segundo disco, em 1999 ou 2000, salvo engano. Aproveitei um intervalo entre as gravações do disco e falei com os caras. O texto integral da entrevista, eu republico posteriormente por aqui qualquer dia desses na seção ENTREVISTÃO.

Desde então, os Devotos passaram a se autoproduzir e até hoje lançam bolachas impecáveis com ótimos petardos de punk rock e hardcore. Quando me der na telha, posto por aqui minhas impressões sobre os demais discos da galera.

Raiva e Esperança

Desde o término do contrato com sua antiga gravadora, os Devotos do Ódio passaram algum tempo sem a perspectiva de lançamento de um possível segundo álbum. E olha que os Cannibal (baixo e voz), Neilton (guitarra) e Celo (bateria) já haviam passado por uma tremenda arapuca típica do vicioso mercado fonográfico antes mesmo de sua estréia em disco com Agora Tá Valendo, lançado pelo selo Plug radicado na BMG, quando tiveram de abortar uma anterior empreitada em disco que só otário cairia. Mas tocaram bola para frente e agora reaparecem sem ódio no nome, por conta das discriminações que sofriam. Batizado agora apenas como Devotos, o grupo recifense radicado no Alto José do Pinho lança agora uma nova bolacha produzida por Dado Villa-Lobos.

Tudo começou com um bate-papo de Dado e Cannibal nos intervalos de uma partida de futebol para o programa Rock & Gol, da MTV. O legionário disse ao líder dos Devotos que, quando pintasse uma vaga em seu então recém-montado estúdio, bastava o pessoal de Recife vir para o Rio de Janeiro e arranjar estadia, para que ele produzisse o novo material composto pela banda. Iniciada numa rápida temporada carioca em setembro de 2000, a empreitada se concretiza agora com o lançamento do álbum epônimo, pela própria Rock-It (selo do ex-guitarrista da Legião).

Ódio Renovado
A despeito da mudança no nome, o som do trio continua raivoso. O resultado é pra lá de satisfatório, em grande parte pela boa produção, como atesta Cannibal. "Conseguimos o som que queríamos. O primeiro álbum é bom, mas não reflete nosso peso ao vivo. Agora conseguimos isso", revelou o vocalista em um intervalo entre as gravações. Na ocasião não havia nada acertado quanto ao lançamento do disco. Villa-Lobos estava apenas dando "uma força" ao pessoal, mas resolveu apostar na qualidade do material.

Um dos destaques do álbum é a faixa "Alien", com efeitos de guitarra que destoam do hardcore ortodoxo, além de um ótimo refrão e uma boa letra de Cannibal. Fala de um extraterrestre se deparando com o sofrimento de "ter" de se adequar ao Sistema para sobreviver em nosso planeta. Também chama a atenção o discurso sócio-político de "O Herói", que aborda uma história real: a do policial Otávio Lourenço Gambra, vulgo Rambo, responsável pela morte de um trabalhador em favela de Diadema/SP. O incidente ficou famoso por intermédio das imagens captadas por um cinegrafista amador exibidas exaustivamente no Jornal Nacional. O forte teor da letra é amparado por um instrumento curto e grosso.

Nova Fase
A produção de Dado Villa-Lobos fez com que o som dos Devotos ganhasse em atmosfera e ambiência. Mas algumas canções da safra ainda nos remetem à tosqueira tradicional do grupo. É o caso de "Aos Exilados", "Nobre", "Mais Armas? Não!" e "Nós Faremos Com que Você Nunca Esqueça", que recorrem ao hardcore tradicional e não deixam nada a dever ao legado de baluartes como Olho Seco e RxDxPx, ainda que sobressaiam características próprias. O mesmo vale para "A Vida que Você Me Deu", com sampler de Bob Marley e uma atípica passagem reggae aos padrões sonoros do trio, inclusive com a participação de Ras Bernardo. Esta música caracteriza uma ligação entre duas estéticas distintas porém contundentes: o reggae e o punk rock. Rock de combate, entende? Outra participação especial faz a liga na releitura de "Selvagem", dos PdS, com aval em carne-e-osso do próprio autor da canção.

Em "Camarada", os Devotos intertextualizam os Titãs de "Estado Violência" com sua a própria criação e apresentam uma faceta percussiva inaudita ao grupo. "Favela" e "Aos Exilados" refletem as motivações da nova fase da banda em disco, recheadas de passagens tribais e wah-wahs do guitarrista Neilton, aquele mesmo que construiu sua primeira guitarra com sucata. Dados a ressaltar encerram as duas canções: um cântico funk a cargo da prole do produtor finaliza "Favela" e "Aos Exilados" é marcada pela inserção de uma canção de Mercedes Sosa.

Realidade
O destaque do disco é a pungente "Meu País", que poderia ter sido uma autêntica ode aos 500 anos, em que Cannibal duela a bela melodia com Toni Platão. Apesar da letra cáustica, a música deixa transparecer uma oportuna esperança por dias melhores. Sentimento concretizado no dia-a-dia da favela do Alto José do Pinho, região antes mais conhecida pela criminalidade mas agora um celeiro de novos músicos. Este é o lema de "Meu Bairro", homenagem ao berço miserável de Cannibal e cia.

Com o novo álbum, o trio de Recife nos mostra como fazer música impregnada de verdades cotidianas, mas sempre carregada de esperança. Devotos, segundo álbum do grupo, nada mais é do que quarenta minutos de uma realidade que não deve ser esquecida - o que muitas vezes é mais importante do que a própria "música".

Texto open-source escrito por Marcus Marçal em 2000. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via e-mail.

CLIQUE AQUI PARA VOLTAR AO ÍNDICE DE SEÇÕES

0 Comments:

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home



 

 



Sou Marcus Marçal, jornalista de profissão e músico de coração.

Veja bem, se esta é sua primeira visita, afirmo de antemão que, para usufruir dos textos deste blog, é necessário um mínimo de inteligência. Este blog contém reflexões sobre música, material ficcional, devaneios biográficos, desvarios em prosa, egotrips sonoras e até mesmo material de cunho jornalístico.

E, se você não é muito acostumado à leitura, provavelmente pode ter um pouco de dificuldades com a forma caótica com que as informações são despejadas neste espaço.

Gostaria de deixar claro que os referenciais sobre texto e música aqui dispostos são vastos e muitas das vezes antagônicos entre si. Por essa razão, narrativa-linear não é sobrenome deste espaço, entende?

Tendo isto em mente, fica mais fácil dialogarmos sobre nossos interesses em comum dispostos aqui, pois o entendimento de parte dos textos contidos neste blog não deve ser feito ao pé da letra. E se você por acaso tiver conhecimento ou mesmo noção das funções da linguagem então poderá usufruir mais adequadamente do material contido neste site, munido de ferramentas de responsabilidade de ordem exclusiva ao leitor.

Quero dizer que, apesar da minha formação como jornalista, apenas uma parcela pequena dos textos aqui expostos foi e é concebida com este intuito, o que me permite escrever sem maiores preocupações com formatos ou convenções. Geralmente escrevo o que me dá na telha e só depois eventualmente faço alguma revisão mais atenta, daí a razão de por essas e outras eu deixar como subtítulo para este O SOM DA MÚSICA o bordão VERBORRAGIA DE CÓDIGO-FONTE ABERTO COM VALIDADE RESTRITA, e também porque me reservo ao direito de minhas opiniões se transformarem com o passar do tempo.

Portanto, faço um pedido encarecidamente às pessoas dotadas de pensamento obtuso, aos fanáticos de todos os tipos, aos analfabetos funcionais e às aberrações do tipo: por gentileza, não percam seu tempo com minha leitura a fim de lhes poupar atenção dispensada indevidamente.

Aos leitores tradicionais e visitantes ocasionais com flexibilidade de raciocínio, peço minhas sinceras desculpas. Faço esse blá-blá-blá todo apenas para afastar qualquer pessoa com pouca inteligência. Mesmo porque tem tanta gente por aí que domina as normas da língua portuguesa, mas são praticamente analfabetos funcionais...


As seções do blog você encontra ao lado, sempre no post ÍNDICE DE SEÇÕES, e a partir dele fica fácil navegar por este site pessoal intitulado O SOM DA MÚSICA.

Sinta-se livre para expressar quaisquer opiniões a respeito dos textos contidos no blog, uma vez que de nada vale a pena esbravejar opiniões no cyber espaço sem o aval da resposta do interlocutor.

Espero que este seja um território livre para a discussão e expressão de opiniões, ainda que contrárias as minhas, acerca de nossa paixão pela música. Afinal, de nada valeria escutarmos discos, fazermos músicas, lermos textos, irmos a shows e vivermos nossas vidas sem que pudéssemos compartilhar nossas opiniões a respeito disso tudo.

Espero que você seja o tipo de leitor que aprecie a abordagem sobre música contida neste blog.


De qualquer forma, sejam todos bem-vindos! Sintam-se como se estivessem em casa.

Caso queira entrar em contato, meu email é marcus.marcal@yahoo.com.br.
Grande abraço!
Powered by Blogger