O SOM DA MÚSICA: MINHA AUTOBIOGRAFIA NÃO-AUTORIZADA IV

Wednesday, February 21, 2007

MINHA AUTOBIOGRAFIA NÃO-AUTORIZADA IV

That 70's Show

Não sei precisar exatamente quando ouvi o que chamam heavy metal pela primeira vez. O primeiro disco de rock'n roll pesado que escutei aos 11 anos foi Jailbreak '74 do AC/DC, que peguei emprestado de um colega de escola. O vinil era de um dos irmãos mais velhos do cara. No entanto, o impacto que tive quando entendi a verdade musical do Black Sabbath permanece intacto aos meus sentidos. Muita gente gosta de "eleger a sua banda de rock preferida de todos os tempos" ou mesmo "a maior" ou "a melhor banda de todos os tempos", aquele tipo de megalomania que existe apenas para disfarçar ignorância, você sabe. E é claro que existe o LedZep, os Doors, o Cure clássico, os últimos discos dos Beatles ou mesmo as formações contemporâneas que tive a oportunidade de presenciá-las ao vivo como o Nirvana, o Fugazi ou o quarteto/quinteto-bissexto do amigo do Hermano Vianna mas, em termos da totalidade de "sintonia psicoacústica", talvez não haja para mim banda mais fodona que o Black Sabbath original.

Sempre comento para quem se disponha a ouvir que vê-los ao vivo na adolescência mudou bastante minhas concepções de rock'n roll pesado, mesmo que já conhecesse os discos do grupo e ainda que o Black Sabbath contasse com um baixinho bundão e careteiro que não suporto na posição de vocalista. "Alguém dê um chute no rabo desse nanico metido a diabinho, por gentileza!", provavelmente diria o pai da Kelly, depois do matinal minguau de aveia tradicionalmente servido às quatro horas da tarde. "(Arrout) Já me basta assisti-lo interpretando o Esqueleto nas reprises do desenho do He-Man, influência de toda uma geração recente de metalistas melódicos (blergh)", deste modo Dercy Osbourne golfaria em seguida, preparação de terreno ao flato sinalizador de que vai tudo bem com sua carcaça, em detrimento ao que resta da camada de ozônio!

Protocolo de Kyoto o quê?!? A concepção de guitarra-baixo-bateria implementada pelo Black Sabbath ali na minha frente me valeu mais pelas milhões de aulas de instrumentos que não tive e nem nunca quis ter, o mesmo vale também muito mais até do que o que se poderia assimilar por intermédio da audição de discos. No palco, estavam dois pais da matéria - ainda que na iconografia musical roqueira, o Black Sabbath seja de fato um nome de vulto menor que o Led Zeppelin, por exemplo. Anos-luz além do humorismo terrir dos temas do grupo do Ozzy Osbourne, sempre me sobressalta aos ouvidos uma certa humanidade bagaceira que fazia contraponto a alguns temas metafísicos risíveis do Led Zeppelin, poucos obviamente se tratamos de uma banda histórica. Mas de certa forma, há uma razão nisso tudo pois, em geral, as pessoas mais escrotas e do mal que eu já conheci foram aquelas que se dizem "do bem"! E se corja desse tipo é "do bem", é de se pensar em atravessar ao outro lado da calçada. Os exemplos hipócritas são muitos e estão em todo lugar! E acho que esta é a razão de eles se manterem com o passar dos anos tão mais conectados ao nosso mundo real e à influência de gerações de bandas contemporâneas que o próprio LedZep.

Na verdade, não há demérito algum em relação ao quarteto Page-Jones-Plant-Bonham. Proporcionalmente ao Black Sabbath, o Led Zeppelin é simplesmente a outra faceta pós-hippie do rock'n roll pesado que vingou na história. Ambos bastante mundanos, mas também muito escapistas. Cada um a seu modo, diga-se! Na verdade, as antologias das duas bandas são nada menos que universos particulares, como preza a história de toda manifestação estética que valha a pena - ainda que se trate de rock, este genêro geriátrico dos dias de hoje, que se disseminou tanto ao ponto de sua essência musical-normativa tornar-se verdadeiramente indeterminada com o passar das décadas. "What the fuck is rock'n roll all about?", Salomé sacaneia seu próprio bom-mocismo na turnê Zoo TV pois, com a consolidação do pensamento único do mundo globalizado e a mídia tradicional de outrora agora ao alcance do usuário de PC alardeada pelos hábitos na internet, hoje qualquer factóide é estrela do rock, vale assim dizer.

Dotados da tal humanidade bagaceira a que me referi eternizada em registros, mais notadamente palpável em shows do que discos ou filmes, os dinossauros dos 70 representam uma realidade musical bem distinta a que nos acostumamos em âmbito pop após os 80. Pois testemunhar uma apresentação ao vivo é sempre uma experiência muito mais verdadeira e satisfatória. E na ocasião da apresentação deles no Rio, no início dos 90, eu estava sem grana, como todo típico estudante suburbano. Passei a tarde toda encucado de não poder ver o grupo ao vivo. Inclusive ficamos eu e um bróder da época de descolarmos uma grana emprestada com o irmão deste para que pudéssemos ir ao show. O cara falou que iria arrumar a grana, nos despreocupamos e celebramos com uma vela acesa. Então fui pra casa tomar banho e passar hené no meu adolescente cipó capilar mas, aí logo que cheguei em casa, o sujeito me ligou para dizer que o empréstimo havia babado e que ele até havia brigado com o fdp do irmão. Putz, um baita balde de água fria! Mas nisso que eu deitei na minha cama, chateado, me chamam ao telefone e é um outro amigo meu daquela época me chamando para ir ao show. "Não vai dar, cara! Estou sem grana". Mas, como já havia colocado na faixa este sujeito dentro de dois outros shows que ele-queria-ver-mas-não-tinha-dinheiro, o cara falou que iria pagar o meu ingresso como uma forma de retribuição. Nem acreditei, ainda mais assim, em cima da hora! "Vambora nessa poooorrraaa!! Ahhhhhhh" e rumamos do subúrbio pra casa de show na Zona Sul carioca. Maravilha!

Tudo bem que o álbum da turnê em questão era meio nádega flácida, o Dehumanizer, mas a oportunidade de ver o grupo ao vivo fala muito mais alto nessas horas. Ouvir a guitarra do Tommy Iommi ali direta, sem intermediários, na sua frente e em alto e bom som é realmente impactante. Ainda mais se, na ocasião, você é um guitarrista jovem cheio de embriões de idéias na mente. Mas o que mais me surpreendeu na apresentação foi mesmo o contrabaixo do Geezer Buttler. Poxa, o sujeito tocava umas tramas sinistras de baixo, não parava com os dedos um segundo e ainda conseguia se sobressair à sonzeira toda. Não é pouco, não! Um cara desses merece todo o meu respeito. Contrabaixo bem tocado é instrumento imprescindível em banda de rock que se preze.

De modo geral, também sobressaía turbinado pelo passar dos anos um certo contraponto terrir de quem via a força das flores apenas naquelas que nascem no lixo à artificialidade do hippiesmo assimilado pelo "inimigo institucionalizado". Tudo bem que estavámos no início dos anos 90, mas não pude deixar de imaginar o impacto de um Black Sabbath entre os apreciadores de primeira hora nos anos 70. A parada começou com a coda instrumental de "Supertzar" e, a partir daí, seguiu-se um desfilar de clássicos de rock'n roll pesado entremeados a material de safra mais recente. Não sei se minha imaginação propiciava um colorido extraordinário ao que via a minha frente, mas certamente não sairia muitas vezes de uma apresentação tão pilhado dali em diante - ainda que a presença de João Osbourne realmente fizesse muita falta ali naquela formação musical. O humor, muitas vezes involuntário, do metal terrir original perdeu muito de sua graça com o ranço sério "trick or threat" posterior ao Never Say Die.

Mas aquilo ali que (ou)vi realmente mudou minha concepção de tocar guitarra, algo parecido rolou também quando vi shows de Scott Ian e do Fugazi em situações diferentes. Passei a querer tirar um som cada vez mais estranho de guitarra, longe dos clichês eternizados por tudo quanto é professor bundão do instrumento, em geral incapazes de procurarem linguagens inusitadas além do tradicional normatismo ao empunhar do instrumento. Durante o show, neóns de mil reggaetóns aclimataram uma atmosfera mais que adequada à casa de shows, a ponto de, se não me falha a memória, até esbarrarmos com um maluco e sua mina, este uma figuraça que se tornaria um improvável célebre produtor musical nacional cuja sonoridade marcou época...

Acho que aqui não devo alongar-me demasiadamente neste momento sobre o quanto o Black Sabbath me é influência para minhas referências de música pesada, de uma maneira muito torta. Isto pode até ter acontecido devido à boa safra de rock pesado no início dos 90. Por isso, resumo agora a trajetória discográfica do grupo da forma mais simplista que consigo. No primeiro álbum, que leva apenas o nome do grupo, Black Sabbath, consolidam-se alicerces de rock pesado que se enunciavam nos 60 no formato hard-blues de uma maneira propositadamente grotesca em algumas passagens. No segundo, Paranoid, firmam-se os alicerces sonoros do que se configuraria como o som do Black Sabbath até a primeira metade de atividades de sua formação mais legendária. No terceiro disco, Master of Reality, este espectro é arregaçado em outras direções musicais e esta postura musical abrangente ainda se potencializa no álbum seguinte, Volume IV. Já o quinto disco, Sabbath Bloody Sabbath, faz um balanço da trajetória sonora e reinventa o Black Sabbath clássico ao liqüidificar os demais elementos presentes na obra anterior do grupo. A mistura se dissolve de maneira inusitada em Sabotage, ressaltando tanto o lado medonho do som da banda quanto seu lado pop. Já no Technical Ecstasy, a rifferama de guitarra incrementa a excelência de sua técnica impecável em uma atmosfera influenciada por "uma noite na ópera", marcada pelo melodrama de um deles a acentuar uma faceta melancólica que inclusive o levaria a deixar o grupo, com direito até a uma sacarina pop estilo auto-ajuda.

A despedida com Never Say Die é um atestado de que não se deve subestimar as motivações da gangue de fazer som, mas mostra que o universo musical do grupo no decorrer da década de excessos seria demasiado portentoso ao niilismo da década que se iniciava medíocre em âmbito pop. Portanto, era hora de cada um seguir seu caminho, apesar de parte da formação ter continuado com diferentes formações e irregulares níveis de êxito, incomparáveis a sua fase clássica. Esta só seria novamente revisitada na tão esperada reunião nos 90, concedendo sentido à música pesada que marcou excelência da primeira metade da década que, em âmbito pop, recaiu em baticum eletrônico similar ao que detonou com os anos 70. As duas únicas faixas inéditas da safra 97 demonstram uma sonoridade transistorizada, mais característica à carreira solo de Dercy do que propriamente ao som da fase clássica, talvez o fator que até hoje atrapalha o lançamento de um possível álbum de inéditas. Impedimento que agora arrefece quando os próprios remanescentes passam a relegar o nome Black Sabbath apenas àqueles que realmente merecem ser chamados como tal, ou seja, os sujeitinhos casca-grossa que gravaram aqueles oito álbuns maravilhosos nos anos 70. Bom sinal de que finalmente pode vir coisa nova a qualquer dia... Line-up comparável a este só mesmo o do vindouro novo álbum dos Stooges!

Texto de código-fonte aberto de Marcus Marçal. Não é permitida a reprodução destes textos de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via e-mail.

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