O SOM DA MÚSICA: RODOVIAS EM PAPIRO CIBERNÉTICO IV

Wednesday, October 18, 2006

RODOVIAS EM PAPIRO CIBERNÉTICO IV

COMBATE ROCK

Dado Villa-Lobos retorna aos holofotes com a turnê de divulgação de seu primeiro álbum-solo, Jardim de Cactus. Produzido pelo próprio músico em parceria com o ex-Robô Efêmero Laufer, o ex-guitarrista da Legião disponilizou a versão oficial de seu disco em seu site (http://www.dadovilla-lobos.com.br), uma atitude bastante emblemática do transitório estado atual da indústria do disco no país. O fato de uma figura conhecida no universo pop como Dado Villa-Lobos não viabilizar seu disco dentro de um grande selo nos formatos tradicionais é decerto a constatação de que atualmente não vale a pena lançar álbuns em via direta por companhias multinacionais, uma vez que não há um devido ajuste de interesses entre as partes.

Ele comentou o fato com exclusividade a O SOM DA MÚSICA, via bate-papo telefônico: "Não está valendo a pena lançar disco por uma major porque você precisa ter controle de seu destino e você, sendo apenas distribuído, aí tem como controlar e não ficar esperando, na condição de contratado, que eles façam algo por você. Não houve interesse das gravadoras em lançar porque o meu disco não era mainstream, era um trabalho com perfil mais alternativo. E o panorama hoje nas majors é você ver pessoas que ontem trabalhavam no almoxarifado e hoje tomam decisões sem muito critério. E do jeito que a coisa anda, a tendência é essa mesmo ", aponta a uma direção de rumos dos negócios no meio musical, no qual as grandes companhias tendem oferecer aparato logístico de acordo com as demandas de mercado segmentado.

E se o mar não está pra peixe grande como é o trabalho do ex-legionário, agora você imagina o panorama para as bandas novas! Quanto a isso, ele vislumbrou uma saída fora das convenções típicas de um artista que fez parte de um grupo campeão de vendas e achou melhor oferecer seu disco gratuitamente, um tanto escaldado com a interferência nos patamares de venda dos downloads P2P sem fins lucrativos e com a pirataria, que de alguma forma inviabilizou o prosseguimento de seu trabalho com a Rock It!. Ele também é mais um artista a endossar o coro dos que anunciam a iminente obsolescência comercial do CD para a comercialização de música, conforme comentou: "O CD acabou, é inevitável. Você baixa as canções que está a fim e pronto. Não existe um interesse maior pelo álbum. Vejo até pelos hábitos dos meus filhos, eles baixam as músicas que gostam em seus I-Tunes e não estão muito interessados em mais do que isso. A cultura do álbum vai continuar a existir, mas o que o pessoal está lançando hoje é música no formato single, comercializando ring tones, etc".

E após um longo período atuando nos bastidores desde o fim da Legião Urbana, seja como músico de apoio d'Os Paralamas do Sucesso na turnê acústica, na produção de trilhas sonoras e de artistas de seu extinto selo Rock-It! ou até mesmo como produtor freelancer, Dado finalmente deu o ponta-pé inicial em sua carreira-solo, mesmo caminho trilhado por seu ex-companheiro de banda Marcelo Bonfá, este já com dois álbuns no mercado. E, ao contrário do que convém à parcela expressiva dos grupos populares surgidos nos 80, o clima aqui é nenhum pouco saudosista. Este disco realmente é seu primeiro trabalho como artista solo, a despeito da criação de material musical digno de nota, para a trilha sonora dos filmes Bufo & Spalanzani, Homem do Ano e do documentário Pro Dia Nascer Feliz, obra voltada à importância da educação na periferia com o qual sagrou-se vencedor de um Kikito, estatueta-símbolo de premiação do Festival de Gramado/RS. "Fui convidado pelo meu trabalho com a Legião e por seu apelo junto a várias camadas da população. Fiz temas com violões, o que eu chamaria até de ingênuos por uma simplicidade musical que coubesse no formato do filme. É muito difícil fazer música para documentário, mesmo porque em geral eles não têm música", afirmou.

Prolífico, não? Sim, e disposição não falta neste início de turnê, apesar da certeza de trabalho pesado. "É como um recomeço mesmo, um renascimento em tudo o que diz respeito a shows, viagens, etc. E é duro passar por tudo isso novamente porque os recursos são mínimos. Mas tentamos nos divertir ao máximo, com o mínimo de conforto. E é complicado justamente por vivermos em um país onde não existe o meio termo. Ou você é lixo ou então é grande e está tocando no programa do Faustão. Com certeza, é uma redescoberta, mesmo porque você também passa a interagir com outro público", avalia.

O disco, em sua versão ao vivo, ganhou maior visibilidade com o especial MTV Apresenta Dado Villa-Lobos, projeto capitaneado por um DVD com apresentação realizada em abril de 2005 no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, repleta de convidados especiais, como também acontece na versão estúdio de Jardim de Cactus disponibilizada na web. Mas o que nasceu primeiro? Ovo ou a galinha? Who made who? A comercialização deste material incidiu na inviabilidade do lançamento do disco em sua versão em estúdio? Dado explica que o projeto da MTV veio antes da idéia de liberar o material gratuitamente no site. "Eles receberam o disco de estúdio e me convidaram para fazer o projeto com o repertório do álbum. Foi uma forma de unir o útil ao agradável e a gravadora EMI entrou no projeto apenas com a logística de distribuição do CD e DVD".

E a lista de convidados é expressiva, seja na versão em estúdio ou ao vivo. Integram o elenco nomes, mais ou menos, ilustres como Paula Toller, Toni Platão, Fausto Fawcett, Humberto Effe, Thalma de Freitas, Cecília Spyer, Amanda Telles e Chico Buarque, este último recitando Ivo Barroso. Já no rol dos compositores das letras para os temas musicais aparecem Paula Toller (letrista da faixa-título e de "Dias"), o ex-Sheik Tosado China ("Cores em Mim" e "Nos Lençóis"), Toni Platão ("Como te Gusta?"), o baterista que acompanha Dado em turnê Lourenço Monteiro ("Tropeço"), Humberto Effe ("Quase Nada"), que também assina "Natureza" junto a Gustavo Dreher mais Ivo Barroso, além de Luiz Zerbini ("Dois Ouvidos"). O co-produtor Laufer ("Laufunk") divide com Fausto Fawcett, o antigo companheiro dos tempos dos Robôs Efêmeros, os créditos por "Faveloura & Lov". Dois pontos altos do álbum são as regravações de "Diamante", composição do Dharma Lover Nenung e a releitura de "Luz e Mistério", parceria de Beto Guedes e Caetano Veloso.

Mas a extensa lista de colaboradores não detonaria um certo recato de Villa-Lobos em se afirmar individualmente como artista solo? Ele não enxerga as coisas sob esse prisma. "A colaboração de convidados gera o tipo de som que caracteriza meu disco. É a cumplicidade de uma geração. E no final foi tudo uma grande festa, onde confraternizei com meus amigos, pessoas que acompanham há bastante tempo", analisa. Tal indagação é até uma constante em se tratando de um músico que secundava um dos melhores cantores do rock nacional. Devido ao relativo conceito de "pequeneza" atribuído à sua voz, em se tratando da inevitável comparação com o poderio vocal do cantor da Legião (N.E.: uma constante nos tons pejorativos além da conta atribuídos à estréia de Bonfá como cantor), Dado é tranquilo e considera que a música pop não prescinde daquilo que chamam de "A Grande Voz". Ele tergiversa sobre o assunto: "Acho que não, meus cantores preferidos hoje não são necessariamente grandes cantores. É claro que é outra coisa quando se tem o privilégio de contar com um grande cantor como o Renato, mas não acho isso absolutamente necessário".

E em relação às inevitáveis comparações com seu glorioso passado musical com a Legião Urbana, ele concorda que tanto seu Jardim de Cactus quanto os dois álbuns-solo de Marcelo Bonfá indicam um certo rumo musical que a banda estaria adotando atualmente. "Relações com o som da Legião antigo para os dias de hoje, existem sim. Mesmo porque nos sentávamos para fazer música de uma forma coletiva, orgânica. E se naquela época compúnhamos com bateria eletrônica, hoje usamos geradores de sons periféricos, sons arquitetados dentro de plugins e softwares como Reactor, etc". Para ele, que passou a vida inteira dentro de estúdio, a evolução dessas ferramentas lhe será sempre útil para a concepção de seu trabalho, ainda que o aprimoramento destes mesmos utensílios marque bastante a sonoridade de uma dada época. Daí a sonoridade de determinados álbuns ficarem mais ou menos datadas que outros em função do uso de ferramentas de ponta que se tornam padrão até sua obsolescência, aprimoramento e até mesmo à invenção de novas geringonças sonoras.

E ironicamente, os depoimentos que você lê nesta matéria são parte de uma entrevista que era para ser publicada como um grande pingue-pongue (veja seção ENTREVISTÃO), como apetece bastante ao autor deste blog mas, em função de problemas técnicos dos obsoletos gravadores analógicos, apenas algumas declarações do ex-legionário seguiram no decorrer deste texto sobre seu álbum. Mesmo porque o bacana da cultura de blog é justamente dar um diferencial ao que geralmente é publicado nas pautas do jornalismo diário, com muito mais liberdade e possibilidades de aprofundamento dos temas, etc. E de nada adiantaria a publicação aqui neste blog de material semelhante ao que se encontra disponível nas publicações com interesse na abordagem deste álbum.

Reverberando o que já foi publicado recentemente nas aparições de Dado na mídia em função dos dez anos de morte de seu companheiro de banda, outro fator importante a se ressaltar é a atual tendência de "dessacralização" do "mito" Renato Russo e, conseqüentemente da Legião Urbana, sugerir justamente a sua consolidação agora em função da dimensão humana de sua figura, ao contrário do messianismo em geral atribuído a Russo, conforme reitera propriamente a vigente matéria de capa de uma revista de música de circulação nacional. A assimilação do material mais obscuro de sua obra, via retomada do repertório do Aborto Elétrico por seus remanescentes que hoje tocam no Capital Inicial, exceção feita ainda aos outtakes guardados para a antologia a ser chamada Material, também ajuda a enfatizar a faceta prosaica que caracteriza a simplicidade dos melhores trabalhos da Legião Urbana. Pedras que rolam não criam limo e a reinvenção da persona artística de Dado, agora na condição de frontman, atesta que a vida segue, assim como também as mudanças nos paradigmas da produção musical e consumo em nosso país.

Confira na seção EM PRIMEIRA AUDIÇÃO a resenha crítica ÉDEN RETROATIVO sobre Jardim de Cactus, álbum-solo de Dado Villa-Lobos, segunda parte desta matéria exclusiva.

Texto de Marcus Marçal. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via e-mail.

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