O SOM DA MÚSICA: ENTREVISTÃO I

Saturday, October 14, 2006

ENTREVISTÃO I

NOITE ILUSTRADA

Música é um negócio atemporal. Música meeesmo, você sabe! Agora o fonograma, o produto em geral, este sim possui uma validade mercadológica relativa cuja importância será maior ou menor em dado momento. Sua promoção está atrelada a toda uma teia de mecanismos e engrenagens que movimentam o negócio envolvendo a música. Deixemos de lado discussões afins, pois no final das contas tudo isso é blá-blá-blá se a mensagem não provocar resposta do receptor. E como este aqui é meramente um blog, não há necessidade de estarmos tão assoberbados com a agenda dos lançamentos. Isso é responsabilidade das pautas do jornalismo diário.

No entanto, para pessoas como nós, um álbum não perde importância apenas porque já foi lançado há algum tempo. Em alguns casos, é até o contrário. Música boa também envelhece bem como um bom vinho. E o caráter jovial do produto-música só interessa ao apelo juvenil em torno da promoção da música pop, aqui no que ela possui de mais descartável. Daí ser até válida a pecha de tal material ser "datado" ou não em função de sua viabilidade comercial diminuta chancelada pela máquina promocional, que se esvai como dejetos louça sanitária descarga abaixo. Por esta razão, O SOM DA MÚSICA começa a publicar, junto a material mais recente, algumas entrevistas inéditas que por razões variadas não foram publicadas na época. Esta aqui foi feita com Lobão logo após uma apresentação memorável no Circo Voador em setembro de 2004, comentada na seção Canhoto de Ingresso.

Enfatizando a máxima do Marshall McLuhan de que agir global é agir local, o artista enfocou alguns temas relacionados à produção musical no país: desde seu engajamento em empreitadas extramusicais como a numeração de CDs, lei do Jabá, à Revista OutraCoisa com destaque ao lançamento do amigo Arnaldo Baptista e também abordou temas relacionados à conclusão de sua opereta rock Canção Dentro da Noite Escura. Em tempos de Leblon idílico nas novelas globais de um Manoel Carlos que eu não vejo, o compositor ajustou sua verve no pendular incessante entre passado, presente e futuro que veio à tona com seu novo trabalho. Segue a íntegra do bate-papo:

O SOM DA MÚSICA - Em relação às suas apresentações na turnê anterior, deu para perceber que você está enfatizando sua faceta, digamos, mais bufona. Ou sarcástica, quero dizer. E gostaria de saber se o repertório do Canção Dentro da Noite Escura vai seguir mais ou menos essa vertente.
LOBÃO -
Não vai, não! Porque na verdade é o seguinte: esta apresentação que fizemos ali no Circo foi um show intermediário. O show do disco vai ter uma, digamos assim, carga horária do álbum que eu não sei se vai ser assim. Esse roteiro foi organizado mais para esta apresentação com o Cachorro Grande. Então enfatizamos um repertório mais voltado ao rock, para ficar um clima de todo mundo em uma coisa mais homogênea. O disco tem muito teclado e quando fizermos o show do álbum, nós contaremos com um tecladista na banda porque não poderemos tocá-lo ao vivo sem os teclados, etc et al. E o álbum vai ser uma outra história. Nem mesmo eu sei como ele vai soar, mas acredito que não vá soar muito daquilo que você conhece do meu trabalho.

O SOM DA MÚSICA - Como o nome do novo álbum é Canção Dentro da Noite Escura, você vai de repente dialogar um pouco com a atmosfera do A Vida É Doce, aquele clima tipo "Amanhecendo na Lagoa", que é uma característica do disco?
LOBÃO -
Ele fala muito do Leblon. É um Leblon noturno, imaginário inteiramente baseado no Baixo Leblon. Tudo acontece por lá.

O SOM DA MÚSICA - Sei qual é, inclusive você está tocando ao vivo algumas músicas novas, como "Homem Bomba"...
LOBÃO -
É, toquei "Homem Bomba", "Agora é Tarde" que no disco é com o Cachorro Grande (N.E.: uma versão demo da música foi lançada no site do cantor embora a faixa não tenha sido incluída posteriormente no álbum Canção Dentro da Noite Escura). O disco tem passagens bastante pesadas, mas (pausa)...

O SOM DA MÚSICA - Inclusive até a nova versão de "Vida Louca Vida" que você vem apresentando ao vivo está bem diferente.
LOBÃO -
Ela já foi regravada daquela maneira e foi lançada na trilha do filme Os Normais naquela versão.

O SOM DA MÚSICA - Não cheguei a escutar a trilha, mas no show achei bem bacana. É informação nova e geralmente a galera espera aquela versão tradicional.
LOBÃO -
Pois é, quis fazer uma versão diferente para Os Normais porque pensei: se vou ter de mexer numa música para relançá-la, então é melhor mexer nela integralmente. Não deixaria do jeito que estava por motivos óbvios também...

O SOM DA MÚSICA - Sei, e essa música nova "Agora é Tarde"? Eu estou até imaginando as tuas motivações para escrevê-la, mas não seria um pouco de humor negro da tua parte?
LOBÃO -
Mas é mesmo! É e assumidamente feliz (risos)! É isso mesmo!

O SOM DA MÚSICA - Pegou pesadíssimo, hein!
LOBÃO -
Mas não é verdade? É humor negro, é engraçado, sublima... O que transforma a parada da vingança e do ódio numa piada. E também tem o lado de você também ter a felicidade do escárnio, cara. É uma coisa natural e, sabe, a gente é muito católico aqui neste país. Tem que chegar e detonar mesmo... Qual é (rindo)?

O SOM DA MÚSICA - E inclusive em relação esse teu material novo, lembro de ter visto uma entrevista sua no programa do Boris Casoy no qual você cantou uma outra música nova que você então chamou de "Canção da Salvação"...
LOBÃO -
É. Mas, na verdade, o nome dela é "Balada do Inimigo".

O SOM DA MÚSICA - "Balada do Inimigo"? Fale um pouco dela. Como ela é?
LOBÃO -
Ela é uma canção (pausa)... É uma canção que tem mais ou menos três tempos de humor nela. E fala sobre a salvação, sobre o arquétipo do inimigo. Sobre a sensação que é você ter um inimigo e a salvação sendo o mote da própria inimizade. Você parte do princípio de que você vai bater seu inimigo ou vai se salvar, ou qualquer coisa assim... E talvez o contra-ataque da minha argumentação ao meu inimigo é dizer assim: "Amigo ou inimigo, não existe salvação" (sorri). E na verdade, ela é um laboratório psicológico de como você ter a presença daquele que seria a imagem do antagonismo na sua vida ou do inimigo mortal. Sabe como é?

O SOM DA MÚSICA - E tem alguma referência às suas inimizades que você mais alimenta até mesmo na mídia?
LOBÃO -
Não, não é nada pessoal! Nesse sentido, o inimigo para mim é um elemento muito presente nos dias de hoje. O inimigo no sentido abstrato, o inimigo no sentido do "outro". O inimigo do terrorista, o inimigo do Bush, o inimigo numa situação arquetípica.

O SOM DA MÚSICA - Teria alguma ligação com paranóia também até mesmo pelo fato de o disco ter uma atmosfera predominantemente soturna?
LOBÃO -
Não, não. É simplesmente sobre o que é ser inimigo de alguém, o que é ter um inimigo e o que fazer desse inimigo. O vazio que produz o próprio ódio gerado por isso, entendeu? E a impotência de no final das contas tanto você quanto o inimigo, nós não teremos a menor salvação (risos). É engraçado porque se trata de inimizade e, no final das contas, não haverá salvação para ninguém. Pessoalmente, você não tem condição de se salvar. Você vai morrer. E pode até morrer na lama, mas você vai morrer. Então aos inimigos, este é o link da parada. Você está brigando, brigando e pra quê? Então começa assim a letra: "Quem é você? Quem é você? Nas minhas mãos, nas minhas mãos vazias... Você aí tão impossível e vão". É meio assim, o inimigo é algo em vão porque não adianta você ganhar do inimigo porque você vai perder de você mesmo, pois não há salvação, não há vida após a morte... Não existe nada disso, então é mais ou menos isso do que se trata a música.

O SOM DA MÚSICA - E a grosso modo, até a própria filosofia oriental, chega a abordar em alguns textos a questão do inimigo como a partir do momento em que você se opôe a um suposto inimigo, então acaba ficando ligado a ele mesmo porque o teu ódio o mantém conectado a este inimigo. Então não acaba sendo bastante contraditório pela relação de amor e ódio que você tem pelo Caetano Veloso ou mesmo alguns de seus desafetos mais conhecidos?
LOBÃO -
Não, pelo amor de Deus. Quando eu quero falar do Caetano, eu falo: "Para o Mano Caetano" dois pontos. É bem explícito, é um tiro na testa. E quando não é, não é. Só isso! Estou falando sobre o conceito do inimigo perante a humanidade. Sobre o conceito de "inimigo" e sobre o conceito de "salvação", as duas coisas caminhando juntas. Mas, bom, você está eliminando qualquer adversidade da sua vida, mas você não elimina a "não-salvação". Então por que a gente briga tanto na vida e tem tantos inimigos se a gente não tem salvação (risos)? A briga é vã, então é bonito ver que a briga é vã. É mais ou menos isso, é a gente reduzido à mais miserável das condições humanas que é a nossa finitude. E é próprio isso. E a única maneira de a gente se tornar um pouquinho melhor em relação a isso é você aceitar que isso é uma verdade inabalável. Que não existe religião, que não existe Deus, não existe nada. Vai todo mundo perecer, acabar e assim é a vida.

O SOM DA MÚSICA - E também poderia até ser uma metáfora dos tempos atuais, desse maniqueísmo ligado ao terrorismo global.
LOBÃO -
A imagem do inimigo é uma coisa que você vê dentro da civilização moderna como paranóia geral, não é? É a violência nas cidades, das guerras, do terrorismo, do individualismo nas relações interpessoais, entre as religiões... Tudo isso, esse conceito de salvação dentro da civilização moderna junto com essa violência talvez sem precedentes na história humana. Estamos vivendo uma época talvez das mais violentas do mundo porque não estamos em guerra, mas estamos sempre em conflito. Estamos ou não em guerra, isso não interessa porque sempre há um conflito violento. Então é sobre isso que falamos. Sobre o dia-a-dia dessa civilização que convive com o inimigo e com a salvação ao mesmo tempo. Só que o inimigo existe, a salvação não (rindo).

O SOM DA MÚSICA - Até mesmo porque é palpável.
LOBÃO -
Isso, mas é tão vão quanto porque você vai brigar, vai brigar e não interessa quem vai ganhar. Vai todo mundo para o mesmo lugar!

O SOM DA MÚSICA - Aproveitando o mote da questão do "inimigo", você está pegando pesadíssimo com o Caetano Veloso ultimamente em entrevistas de um modo geral. Como você vê a possibilidade de contrapartida dele, apesar de você ter as suas razões?
LOBÃO -
Mas quem disse que eu estou batendo? A única coisa que rolou mais ou menos assim foi que me convidaram para uma foto com ele e me recusei porque não gosto dele (N.E.: incidente retratado em coluna semanal de um periódico carioca na ocasião de um tributo a Raul Seixas).

O SOM DA MÚSICA - Mas não me refiro somente a isso e sim à entrevista ao Pasquim, à revista Oi!...
LOBÃO -
Olha, rapaz! Para te dizer a verdade, eu não tenho nada pessoal em relação ao Caetano, não! Mas acho que dentro da história, ele às vezes está num lugar e aí deve levar suas carcadas, sim (rindo). Porque não concordo com a maioria das coisas que estão sendo feitas, etc et al. Mas gosto do Caetano, viu? Pessoalmente falando. Mas estamos numa guerra. Aí vem aquele papo de inimigo e aquelas coisas todas...

O SOM DA MÚSICA - Inclusive do teu trabalho novo tem até a ver com a desestigmatização da MPB, esse lance do Rio de Janeiro claustrofóbico enfatizado em parte de seu trabalho mais recente. Enquanto existe ao incauto a fantasia bucólica da MPB de piano bar...
LOBÃO -
Eu vivo entre dois pólos: na inteligentsia da MPB que é maníaca-depressiva e católica e também conseguimos entrar numa parte de "rock" que diria "nem tanto" porque você vê, a filha do Raul Seixas levou vaia. Ela é filha do Raul e botou música eletrônica em homenagem ao pai porque ela é DJ e aí foi vaiada. E isso é o cúmulo do sectarismo. Eu acho que a cultura de rock'n roll aqui no país é ainda muito incipiente e geralmente quem gosta de rock é sectário a grosso modo, quem ouve Dire Straits nas rádios no caso das coisas "mais pesadas" de rock. Ou pesada simplesmente no que concerne ao volume e aí você ouve um monte de barulheira sem caldo cultural algum, na verdade. Aí você vê também um monte de "camisas pretas" parecendo um monte de torcedores do Corinthians. E "putaquilpariu", é também a mesma merda tanto por um lado quanto pelo outro!

O SOM DA MÚSICA - Por falar nisso, foi muito comédia aquela zoada lá no show com a Rádio Cidade (risos).
LOBÃO -
Aquela foi muito engraçada.

O SOM DA MÚSICA - Na hora eu até procurei aquela imagem do Tim Maia que tem lá no Circo para ver o cara sorrindo pra você (risos).
LOBÃO -
Foi engraçado porque eu fui surpreendido. A própria piada do início do show com a Chapeuzinho Vermelho (N.E.: sonoplastia usada como coda de início da apresentação) nem ficou tão forte porque cara saiu logo anunciando: "A Rádio Cidade tem o orgulho de apresentar..." E eu: "Mas, como assim?" E quando eu ouvi aquilo não poderia imaginar a coisa mais surreal do mundo a rádio ter o orgulho de "apresentar Lobão" se não me toca há mais de vinte anos. Quando eu ouvi aquilo, eu disse: "peraêee, qual é? Esses caras estão me chancelando aqui?" E eu não aguentei. "Rádio Cidade é o caralho" e isso provocou um comichão e eu tive que pedir para as pessoas pararem porque era um ódio generalizado pelo visto.

O SOM DA MÚSICA - E de certa forma muita gente veste a camisa sem muito conhecimento de causa.
LOBÃO -
Não, acho o contrário. Porque quem está ali geralmente está sempre me acompanhando. E pra te dizer a verdade, estou muito satisfeito. Fiquei muito feliz com o show, achei uma apresentação energeticamente poderosíssima. E gostei muito do Cachorro Grande, adorei ter tocado com eles. Inclusive, nós gravamos juntos. Depois do show, nós fomos ao estúdio para dar um tempo de eles gravarem aqui. E estou muito feliz com o cenário, com o que está acontecendo, com o que estamos empreendendo. Estou na maior expectativa de saber como vai sair a cara deste disco também. É aquela coisa: o disco está para sair desde o ano passado e aí ficam esses caras tipo o Caetano: "Ah, o Lobão fala muito, mas não faz nada. Ela não canta"... Então está aí, deixa pra próxima (rindo)!

O SOM DA MÚSICA - E você já está com o material fechado? Você diz que nem sabe muito bem a cara que o material vai ter...
LOBÃO -
Não, é assim: estou até com a ordem das músicas do disco. Mas existem músicas que ainda preciso acabar o arranjo, precisamos finalizar a gravação delas. E tem aquela hora em que você pensa: "agora já está com a cara definitiva". E não está porque ainda tenho que trocar algumas músicas. Tenho de colocar uma bateria aqui ou uma guitarra ali, colocar voz... Então ainda não está totalmente pronto!

O SOM DA MÚSICA - Eu cheguei até a ler uma parada em algum lugar, não me lembro onde, sobre uma música chamada "Capitão Gancho" ou algo assim...
LOBÃO -
Você vê: essa aí já estava na primeira versão do que seria este disco no ano passado. E de lá até agora, eu já troquei umas cinco músicas.

O SOM DA MÚSICA - Então ela rodou?
LOBÃO -
Eu já coloquei umas cinco novas e tirei outras antigas. A do Capitão Gancho era pra sacanear o presidente de uma gravadora, mas já passou, não é? É o tipo de música "jornalística", uma música de piada, uma música do momento para sacanear a pirataria. Mas eu acho que isso já está tão fora de moda, não é?

O SOM DA MÚSICA - Pois é, aí se perde o timing do negócio...
LOBÃO -
É e aí eu quero um disco que seja mais conciso. Então essas músicas mais "do momento", elas acabam saindo pelo motivo que você não tem mais a piada para fazer. Então a música perdeu um pouco o que pode ter de reação, então eu tirei. Mas existem outras: desde então eu compus outra música com o Júlio Barroso. Estou com duas músicas novas com o Júlio.

O SOM DA MÚSICA - Você trabalhou com os poemas dele...
LOBÃO -
Uma delas eu peguei, editei toda e ficou do caralho. Ela se chama "Não Quero o seu Perdão".

O SOM DA MÚSICA - Não sei se estou confundindo, mas não é aquele poema que o Barão Vermelho musicou no Declare Guerra (1986)? Acho que o nome também é "Não Quero o seu Perdão".
LOBÃO -
Não sei, essa eu peguei por mim mesmo. Saí fuçando e nem sabia desse negócio, não.

O SOM DA MÚSICA - Acho que ela tem o mesmo título, mas, de repente, pode até nem ter a ver.
LOBÃO -
Mas é música ou é um poema?

O SOM DA MÚSICA - É mesmo uma música. No formato de rock'n roll básico.
LOBÃO -
Poxa, eu vou até dar uma olhada, mas eu acho difícil pelo seguinte: esse poema estava no livro A Vida Sexual do Selvagem (1991) e, pelo o que me consta, ainda não havia sido gravada.

O SOM DA MÚSICA - Não sei, cara! Então de repente pegaram e fizeram uma outra versão. E eu posso até estar confundindo. Tem tempo que não ouço o disco.
LOBÃO -
E além do mais, esse poema que virou "Não Quero o seu Perdão" ficou incompleto, então para fazer a música eu precisei juntar dois poemas dele. Precisei alinhavar o material e o produto final em termos de letra só brotou mesmo a partir de uns dois meses para cá. Não é propriamente aquilo que está ali. Peguei o material e editei com dois poemas e fiz um outro texto. Quero dizer, é uma coisa que não foi feita. Na música conforme eu alinhavei, o poema "Não Quero o seu Perdão" é apenas detalhe da poesia do texto todo na música. Não sei, vou até dar uma olhada agora.

O SOM DA MÚSICA - E o lance do CD do Arnaldo Baptista? Poxa, ficou bem bacana, hein!
LOBÃO -
Pois é, estou muito emocionado. O CD do Arnaldo, realmente, neguinho que ouve até chora.

O SOM DA MÚSICA - E deixa bem clara a genialidade do cara mesmo com suas limitações...
LOBÃO -
(interrompendo) Mesmo com todas as seqüelas pelo o que ele tem pelo o que passou, ele se impõe. E é uma vergonha a todo mundo que possui um pouquinho mais de massa encefálica, um cara com a metade do cérebro fazer um trabalho genial, constrangedoramente genial, em uma hora em que ninguém está fazendo realmente porra nenhuma. E fica um contraste muito louco!

O SOM DA MÚSICA - Enfatizando que ele ornamenta seu trabalho brincando com as próprias referências contidas ao longo de seu trabalho.
LOBÃO -
É maravilhoso!

O SOM DA MÚSICA - Por exemplo, ele menciona "Corta Jaca" e também de uma porrada de referências que você encontra nos outros discos.
LOBÃO -
É maravilhoso, cara! É um disco surpreendente. Aquela música "Bailarina" é incrível. Também "To Burn or Not To Burn". "Louvado Seja Deus" é um hino, não é?

O SOM DA MÚSICA - Pois é, no show do Circo o Cachorro Grande até abriu o show com uma vinheta com a música.
LOBÃO -
"Louvado Seja Deus" (rindo)! Já virou até grito de guerra da rapaziada. E aí aparecem uns caras falando: "ah, ele virou evangélico, se converteu" (rindo).

O SOM DA MÚSICA - Aí é brincadeira...
LOBÃO -
Então não podemos estar mais felizes: a revista está com um fôlego legal. Lançamos o Arnaldo e depois será a vez de uma banda completamente inédita, a Réu e Condenado. E depois teremos Los Pirata, Instituto, Quinto Andar... É uma porrada de bandas já.

O SOM DA MÚSICA - Mesmo porque o que não falta é material da galera.
LOBÃO -
Realmente, o que não falta é galera boa! Estou felicíssimo e agora, pela primeira vez, nessa época, o fato de eu chamar uma banda nova para tocar comigo é algo que eu nunca havia feito. E ficar brother da rapaziada ao ponto de uma maneira de até podermos tocar juntos, de até fazermos uma excursão juntos.

O SOM DA MÚSICA - Dá pra perceber a empatia, esse lance da brodagem mesmo entre você e a galera.
LOBÃO -
Tem, total! E eu achei legal porque quando uma parada dessas aí acontece e não funciona, aí fica horrível a mistura. Mas quando dá certo como foi este o caso, aí é maravilhoso. E principalmente, quando eu ouvi o Cachorro Grande pela primeira vez, eu fiquei muito, muito impressionado com a performance deles.

O SOM DA MÚSICA - Pois é, é energética e em certos pontos até violenta, em se tratando do som que eles estão fazendo com pitadas de mod.
LOBÃO -
Exatamente, eles são muito punks. E o que eu acho muito interessante no Cachorro, o que eu menos havia notado, é que eles são excepcionais compositores. Eles têm a manha de fazer música boa, cara. É uma música boa atrás da outra!

O SOM DA MÚSICA - E agora eles incorporaram aquele tecladista novo...
LOBÃO -
O Vaca, não é? É massacrante ele!

O SOM DA MÚSICA - Aquele cara ali desequilibra geral...
LOBÃO -
Ele é foda, não é, cara! E é o mais novo. Ele tem vinte anos.

O SOM DA MÚSICA - É mesmo?
LOBÃO -
É o caçula. E ele sabe tudo! E o Gross na guitarra também, ele massacra.

O SOM DA MÚSICA - Mas ele também já é das antigas. Ele tocava com o Júpiter Maçã...
LOBÃO -
É, mas ali ele tocava bateria com o Júpiter. Não tocava guitarra, não.

O SOM DA MÚSICA - Ah é, agora que eu me liguei. Ele tocava bateria meio a la Mitch Mitchell...
LOBÃO -
Pois é, é uma revelação. O cara está tocando guitarra pra caralho! E para nós, que somos bateristas, foi muito bacana gravar a base do Cachorro sob a ótica de guitarristas que são bateristas. Então nos divertimos muito quando fomos tocar.

O SOM DA MÚSICA - Pois é, dá pra fazer altas jams.
LOBÃO -
Aí vão dez minutos pra cada jam, tocando horas. E essas coisas são as que fazem toda a lenda do que foi o Circo. São essas situações históricas que a gente vai construindo dentro dessas associações que dão certo. E assim vamos construindo outras histórias para podermos contar.

O SOM DA MÚSICA - Sem esse negócio de ficar vivendo de música do passado...
LOBÃO -
Exatamente. Você vê, chegamos lá e detonamos uma música nova. E a música, "Agora é Tarde" já colou de cara com a banda! Você vê que ela decolou no ato (rindo).

O SOM DA MÚSICA - Os caras lá tocando amarradões, até mesmo dentro do espírito da própria picardia inerente ao som do grupo.
LOBÃO -
Exatamente. E essa energia fortíssima, cara, ela revela todo o estado de espírito em que nós estamos. Assim, o show é "paudurescente" porque a nossa vida está nesse mesmo diapasão. Estamos vivendo intensamente um período muito sensacional, a verdade é essa.

O SOM DA MÚSICA - Um período que está mudando o perfil em relação à produção musical...
LOBÃO -
Aí a gente está fazendo com que a coisa mude. Não estamos passivos na parada! Estamos atuando, somos atores da situação. Então isso está nos dando uma alegria de viver violenta porque não fica aquela pecha: "por que você vai querer mudar o mundo?" Eu quero, sim! Vai mudar e mudei. Pronto. E eu acho que essa satisfação toda... E o "Agora é Tarde" fala dessa satisfação toda, cara! Ela só poderia ser dirigida a um cara de gravadora. "A sua secretária me jurou de pés juntinhos que tu tava ocupado na tua reunião". Mas essa música ela cabe à qualquer bundão que caia ali como uma luva...

O SOM DA MÚSICA - ... Até percebo agora um entusiasmo bem maior da tua parte porque quando a gente para pra pensar sobre a época em que você lançou o A Vida é Doce (1999), você até tinha certeza quanto aos rumos que você havia tomado, mas, enquanto artista popular, ainda estava incerto em relação aonde desembocaria o seu trabalho. E hoje em diante você vê seu trabalho se consolidando e até mesmo resultados palpáveis.
LOBÃO -
E você até vê vários filhotes que não são somente frutos do meu trabalho pessoal. Você vê: a própria revista já caminha por si só. A cada dois meses, você está saindo uma parada nova. E é muito melhor do que poderíamos imaginar. A verdade é essa! (pausa) Por essa razão, o disco nem saiu no ano passado porque pensei: "Poxa, estou lançando uma revista. Vou ter de sedimentar primeiro, de cristalizar essa revista no mercado para depois... Então eu tive de passar esse ano todo sem lançar disco, como também não pude lançar no ano anterior porque estávamos voltados à numeração. E chegou uma hora em que pensei: "agora eu quero lançar o meu disco, senão eu vou ter que jogar fora esse repertório".

O SOM DA MÚSICA - E você que o panorama corporativo de comercialização de música no momento está tão estagnado que eu cheguei a ler uma matéria na Folha de São Paulo em que se dizia que só haveria uma recuperação dos patamares de venda lá para 2012.
LOBÃO -
Eu acho que a gente vai ganhar muita grana. Meu plano é que a gente venha a ganhar muita grana com isso. Agora é ficar milionário e vamos fazer uma indústria no Brasil. Não estou pensando se a indústria vai se recuperar, eu quero ser a indústria. Eu sou a indústria. Eu sou o rádio. Eu sou o cantor. Tudo. E é mais ou menos nesse patamar que estamos entrando. Não estamos mais querendo a ajuda da indústria, nós queremos o espaço da indústria. Não queremos mais eles, queremos que nós sejamos a indústria. É diferente. Por isso, esse movimento tende a ser diferente de todos outros movimentos artísticos porque não se restringe somente ao movimento artístico. É também um movimento empresarial. Então eu não quero mais saber desses patamares, esses percentuais terão de ser derrubados, então nada será como antes. A verdade é essa! Porque também você pensa: a revista vai ser um sério referencial de precedência. Em vez de darmos um real para os caras ganharem em cima de uma revista de doze reais e noventa centavos, eles terão de ganhar pelo menos dois reais para que seja vendido um disco de quarenta reais. E isso é uma coisa que não acontece. O cara vai vender um disco de quarenta reais e o artista ganha vinte centavos.

O SOM DA MÚSICA - E você vê até o caso do Ira!, eles estão vendendo legal em relação aos padrões atuais com o Acústico MTV e cheguei a ler um lance que o Edgard comentou na internet algo do tipo: "Quero ver a hora de eles prestarem contas com a gente e a gente achar que devemos ganhar mais enquanto eles estão nos pagando aquilo".
LOBÃO -
Porque como, na verdade, o percentual é merreca, então você consegue a maior visibilidade, mas você não tem retorno, amigo. Por exemplo, você sabe que coisas absurdas acontecem. E na semana retrasada, o disco do BNegão, a revista que saiu em novembro, atingiu as suas quinze mil cópias. E passou o D2 (rindo), com o À Procura da Batida Perfeita!

O SOM DA MÚSICA - Mas o disco é talvez até melhor que o do D2.
LOBÃO -
Pô, mas você discutir se o disco é melhor ou pior, eu não acho conveniente. Primeiro, porque eu até gosto do disco do D2. Mas o disco dele foi eleito prêmio do ano, tocou pra caralho, o cara estava até no meio da novela, ele teve um disco de maior visibilidade. Junto ao de estréia da Maria Rita, foram os discos dos quais mais se falou do ano passado até agora. Então para a visibilidade que esse cara teve, e o trabalho do Marcelo também é legal, o retorno disso tudo é infinitamente menor do que o nosso. Você imagina só se o BNegão estivesse no lugar do Marcelo, então aí ele venderia 100 mil cópias. Se ele estivesse vendendo o disco a doze reais e noventa centavos, o Marcelo também venderia pra caralho, cara. Então, esses caras que estão na gravadora, a gente tem de olhar para eles com uma certa pena.

O SOM DA MÚSICA - E esse aí é o número oficial...
LOBÃO -
Mas hoje em dia não tem mais essa, é oficial. A lei da pirataria está aí! Eles não podem mais adulterar porque senão serão enquadrados na lei da pirataria. Agora eles têm de dizer o nome. Afinal de contas, eu sou o presidente da associação que nasceu junto com a lei da numeração e eu tenho poder de fazer auditoria em qualquer artista em território brasileiro. Se eu pedir auditoria do Roberto Carlos e ali estiver alguma coisa adulterada, eles vão presos. Pena de um a três anos e a presidência da gravadora é que vai responder por isso. Então eles não podem mais fazer isso.

O SOM DA MÚSICA - E quanto à numeração: a do disco A Vida é Doce era feita por exemplar e agora...
LOBÃO -
(interrompendo) Mas aí era um processo artesanal. Não é só lote! Você pensa assim: "mas é por lote". Mas toda vez que a gravadora emite uma nota, ela tem de se comprometer perante o artista que sairam, por exemplo, 50 mil cópias e ela vai ter que vender essas 50 mil cópias. E só vai fabricar mais, se venderem essas 50 mil cópias. Eles terão de prestar contas! E fora isso, tem o número eletrônico, tem o SRC, na capa e no berço... Então está muito amarrada a situação. A gente conseguiu o melhor método de numeração, pedimos concorrência e vieram firmas da Bélgica, da Disneylândia, da Nasa... Sabe? E estamos com o melhor método! É um método tranqüilo, superbem bolado. Enfim, amarrou. Aquilo ali é problema que foi resolvido realmente. E agora a próxima batalha é contra o jabá, de criminalizar o jabá...

O SOM DA MÚSICA - E agora quanto à repercussão do disco do Wander Wildner, que acabou saindo apenas como uma coletânea?
LOBÃO -
Eu cheguei até a ser muito criticado nos jornais porque estava alardeando aos quatro ventos que só fazia coisas inéditas e aí ele me dá um CD compilado. Então eu disse a ele que só pude trabalhar com o que ele me deu. "Você me deu um compilado e eu só trabalhei um compilado". É só isso!

O SOM DA MÚSICA - E a visibilidade dele teria sido maior se estivesse com material novo...
LOBÃO -
Tanto é que a única música inédita do disco está concorrendo a um prêmio da MTV, como Melhor Clipe Independente. E eu gosto do Wander, acho que ele se precipitou, afinal de contas antes de qualquer coisa nós somos colegas porque eu não sou um patrão dele, nem ele é meu assalariado. A última vez que nos encontramos, eu inclusive toquei bateria para ele no show no Opinião, no show de lançamento. Passamos uma semana juntos, nos amando, foi antes do show que fiz no Morro da Urca. Fiquei por lá o dia inteiro com o Wander, ele estava superfeliz e depois daquilo, ele nunca me telefonou para reclamar de alguma coisa. A última vez que estive com o Wander, ele me deu um beijo e um abraço sorrindo de orelha a orelha. E nunca mais eu o vi. Ele nunca mais me telefonou para esclarecer alguma coisa, com raiva ou dúvida de alguma coisa para mim, pessoalmente.

O SOM DA MÚSICA - E essa banda com a qual você se apresenta ao vivo é a mesma banda que gravou o disco?
LOBÃO -
Eu toquei praticamente todos os instrumentos no disco... Além de bateria e guitarra, cheguei a gravar baixo, teclado, programei synth e levadas. Só vim a fazer isso agora mesmo, mas tem umas músicas com o Daniel Barcinski que é um puta baixista, o NoBru Pederneiras na guitarra... A banda está participando de algumas coisas, mas só foi formada depois de o disco estar pronto. Até então estávamos eu e o Pedrinho Garcia. Ele tocou muitas baterias e eu toco uma ou duas no disco. E toquei alguns baixos, teclados todos, muito synth, piano, órgão, violão, guitarra, essas coisas assim...

O SOM DA MÚSICA - E pelo o que eu ouvi no show, teu som está bem um vigor novo. Você está tocando com a moçada mais nova e é bem diferente, isso se reflete no som. Você já tocou com vários line ups e em relação a esse especificamente se percebe um vigor maior, essa pilha da galera.
LOBÃO -
Sabe o que eu acho? O músico de gig sofre muito no Brasil e aí o que acontece depois de você passar um, dois, três, dez anos? Aí você vai para a estrada só batendo ponto e o músico acaba perdendo com o tempo um pouco daquele vigor. Agora você pega uma rapaziada que está no underground, carregando amplificador nas costas assim mesmo, tocando bem pra caralho, fazendo o maior som e com vontade... Esse é o lance! Estou impondo esse ritmo de jogo porque também estou cheio de vontade. E eu acho que a banda se encaixou muito porque eu sentia falta disso. Rolava às vezes hábitos adqüiridos durante o transcorrer da vida dos caras que tocavam comigo e também pela própria atitude de bater ponto mais um dia, mais uma gig. Então isso se reflete na hora em que você vai fazer um show.

O SOM DA MÚSICA - E o som no Circo estava absurdo, apavorante... No bom sentido.
LOBÃO -
O som no Circo estava bom pra caramba! Estou muito orgulhoso com o negócio do Circo e tem muita gente reclamando: "será que o Circo não é mais o mesmo?" E eu costumo falar: "Graças a Deus, ele não é mais o mesmo"!

O SOM DA MÚSICA - Está melhor, não é?
LOBÃO -
Está muito melhor! Poxa, ficar dizendo: "ah, ele está muito bonitinho..." E tomara que fique mais bonitinho!

O SOM DA MÚSICA - Quando estive na coletiva de apresentação do Circo quando abriram os portões, eu até fiquei um pouco bolado. "Caraca, vai ficar muito maurício"! Mas aí, não! Logo no primeiro dia, você já via que o clima era o mesmo.
LOBÃO -
Você vê a diferença de como o Circo imediatamente já se colocou na sua rotina do dia-a-dia, ao contrário do Morro da Urca, que fez um estardalhaço e não conseguiu sair apenas de espetáculos retrospectivos. Anos 80 de novo!!!! E o Morro da Urca nunca foi de ser retrospectivo nos anos 80 porque só pegava banda nova. Agora não existe mais esse hábito, as pessoas não querem mais investir na novidade. Têm medo porque está todo mundo em crise.

O SOM DA MÚSICA - E no Circo não existe aquela coisa mais de Zona Sul e você vê gente de todos os cantos...
LOBÃO -
Você vê todo mundo, de tudo quanto é lugar! E a platéia do Circo é a platéia do Circo! Você vê que estávamos à vontade pra caramba ali porque é a nossa casa. E é a nossa casa agora com conforto e principalmente com som funcionando. Você vê, o som do Cachorro estava bom pra caralho! Fiquei lá no meio e estava um puta som! Estou muito feliz com a Lapa, agora está surgindo o Odisséia, tem o Rival. Inclusive vou tocar amanhã lá no Rival. Vai ter um debate, o Cláudio Assis vai estar lá, vai ter uma outra banda. Vou fazer um show lá, só não sei qual é o tamanho. Vai ser com a banda e vou levar meu tecladista, ele não pode tocar no Circo porque já tinha uma outra gig. Aí falei que não era necessário porque estamos em uma fase de transição. E até o som do teclado entrar na banda e realmente ser efetivo, porque eu sou muito econômico e detesto teclado. Teclado é uma coisa muito difícil.

O SOM DA MÚSICA - E também existem músicas no seu repertório que não têm a ver com a inclusão de teclados.
LOBÃO -
Mas aí eu falo pra ele tocar um pandeiro (risos). Não precisa tocar tudo porque fica massarocudo o som. E coloquei o teclado na banda porque tenho umas quatro músicas no disco novo que gostaria de tocar no show e, sem teclado, eu vou acabar tendo que desistir. Mas na verdade é assim muito pouco! E eu tenho um sonho de lançar esse disco porque ele é uma história fechada, com início, meio e fim. E eu queria fazer um show que fosse um filme! Da primeira à última música, só com o disco, sabe? E não fizesse mais nada, como se fosse um filme. Como se eu fosse um diretor de cinema e lançasse um novo filme, então não vou falar do passado.

O SOM DA MÚSICA - Um lance mais conceitual...
LOBÃO -
É. Aí vou fazer um lance que estou a fim. Vamos ver se eu consigo... Geralmente isso é muito difícil, mas é um desafio. Primeiro, o disco tem de funcionar muito bem, ao ser tocado. Geralmente você faz uma música legal e essa música às vezes não funciona nos shows. Então tenho de ver e, se o resultado final for propício, eu gostaria muito de fazer isso.

O SOM DA MÚSICA - Bacana porque aí você tira até um pouco a importância de seus cavalos-de-batalha que são protocolares em suas apresentações, até mesmo na sua inteiração junto ao público de rock, digamos, mais ordinário. E assim ressalta a atualidade do seu trabalho.
LOBÃO -
Ahan! Você vai no show e, por exemplo, e neguinho não enche mais o saco. Você viu que só coloquei "Me Chama" etc. no final, comemorando, porque já estava no troco. Assim, eu não tenho o menor grilo de tocar. Eu gosto de tocá-las, muitas delas funcionam. As músicas do Cena de Cinema são ótimas de se tocar, por exemplo. "Ronaldo foi para a Guerra", "Robô, Robôa"...

O SOM DA MÚSICA - E elas ganham até uma cara mais atual com você tocando com uma banda mais nova. Ganha mais peso. E o que no disco era mais ou menos uma "new wave cabeça", ganha uma atualidade.
LOBÃO -
O Odisséia, o disco ao vivo de 2001, já é um disco pesadíssimo. Agora, eu também gosto mais dessa banda. Eu prefiro porque realmente ela fala mais na língua que estamos a fim de falar.

O SOM DA MÚSICA - E tocando com outro guitarrista também, você já fica mais livre pra fazer as tuas paradas porque isso te dá uma retaguarda.
LOBÃO -
Exatamente. E também foi muito bom eu ter tocado com power trio porque você tem que sair correndo atrás, senão o som não sai direito. Então aprendi muita coisa. Foi bom para mim como instrumentista, fiquei mais confiante. E agora estou a fim de fazer um show mais esmiuçado mesmo.

O SOM DA MÚSICA - O que é engraçado esse lance de você estar falando de disco conceitual porque quem também está vindo com um disco conceitual é o Marcelo Nova.
LOBÃO -
E eu estou afinzão de ouvir inclusive.

O SOM DA MÚSICA - É também na onda de contar uma história com começo, meio e fim. O entrevistei no ano passado e ele estava começando a fazer essa parada.
LOBÃO -
Porque é também a única maneira de você fazer as pessoas talvez prestarem atenção no trabalho como um todo, sabe?

O SOM DA MÚSICA - Se abre mão, você acaba fazendo show só tocando os velhos sucessos... Aquela coisa estagnada, que não gera informação nova.
LOBÃO -
E no meu caso, até não. Eu já estou meio safo dessa parada. Mas acho que foi surgindo o fato de eu ter feito uma música para a Cássia Eller, o fato de o Cazuza e o Júlio Barroso estarem ali, de eu estar falando de um monte de coisas sombrias e fantasmagóricas. Pronto, estou falando do Baixo Leblon, do Cazuza, do Júlio Barroso, então aí você já tem um conceito. E tem a coisa de minha de falar da Zona Sul, que é importante, porque estamos em um clima de música de protesto, de periferia... E quando falamos da Zona Sul, nós lembramos da violência, da cidade... Aí comecei a falar da Zona Sul de uma maneira delirante e idealizando principalmente o Leblon como um lugar invernal, nebuloso e noturno. E então tudo se passa em um Leblon idealizado, mas é o Leblon que eu gostaria que existisse.

O SOM DA MÚSICA - Não é o Leblon da novela das oito.
LOBÃO -
É o meu Leblon afetivo, sabe? É o Leblon que eu tenho no meu coração. Eu vivi a noite do Leblon, então o disco é todo na noite. E eu sou a noite. Eu sou a noite que chove o tempo todo. Eu acho que sempre vou ficar preso a esse tipo de coisas. E acho que essa é a minha característica mesmo. E falar da Zona Sul é uma coisa importante porque estou conseguindo falar com muito amor e carinho, coisa que a última vez que vi acontecer foi na época da bossa nova. E inclusive a música que abre o disco é uma bossa nova falando do Leblon, etc et al. E estamos em uma época de hip hop, as pessoas falando da periferia e achei muito interessante colocar esse conceito psicodélico de Zona Sul dentro desse nosso contexto atual. Falar de uma coisa completamente diferente no enfoque em termos de letra.

O SOM DA MÚSICA - É até importante a abordagem também porque já está cristalizado estereótipo do Rio da bossa nova em piano bar.
LOBÃO -
E assim como está estereotipada a bossa nova, está também o cara protestando, "sendo consciente". Esse é um disco inconsciente (rindo), não possui nenhum assunto diário neste disco.

O SOM DA MÚSICA - Mesmo porque se o cara fica só protestando dentro daquela linguagem previsível, ele não tem como sair dessa camisa-de-força e fica ali limitado.
LOBÃO -
É, eu acho que temos de mexer com as estéticas. Mexer, mexer, provocar, se expor ao erro também. Porque quando você se expõe, você também erra. Mas isso tudo é muito importante.

O SOM DA MÚSICA - Mas isso aí é básico.
LOBÃO -
E por exemplo, o disco começa com uma bossa nova que na verdade é um drum'n bass. Aí você pensa assim: "essa música pode indicar ao cara uma decepção porque a segunda música não vai ser assim e não tem mais música eletrônica no disco..." Mas aí me perguntam: "Então por que você está usando música eletrônica?" É porque é como se a música eletrônica fosse a pontuação do meu texto. Eu preciso de uma cenografia e essa música tem que ter uma bossa nova. E eu não sou afiliado a partido, então não funciono nos termos se isso é rock ou é bossa nova. Esses são instrumentos de pontuação para o meu próprio texto. "Ah, eu preciso de uma música pesada", então vou fazer um bate-estaca violento. "Ah, eu preciso de uma bossa nova", então vou fazer um drum'n bass.

O SOM DA MÚSICA - É bacana porque a parada fica plural, o resultado sai diverso.
LOBÃO -
E é bacana ser plural, é bacana você conseguir no caso ser conciso em um disco que possui uma série de vertentes e colocar a sua assinatura em meio ao clima de diversidade.

O SOM DA MÚSICA - Também de se conseguir um encadeamento dentro da diversidade.
LOBÃO -
E a diversidade é muito forte no sentido musical mas, no sentido lírico, estou falando do Leblon, dos meus amigos, dos meus fantasmas e das minhas provocações.

O SOM DA MÚSICA - É isso aí, obrigado aí pelo papo!
LOBÃO -
O que é isso? Foi muito bom (risos)!

Texto de Marcus Marçal escrito originalmente em setembro de 2004. Não é permitida a reprodução destes textos de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via e-mail.

CLIQUE AQUI PARA VOLTAR AO ÍNDICE DE SEÇÕES

0 Comments:

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home



 

 



Sou Marcus Marçal, jornalista de profissão e músico de coração.

Veja bem, se esta é sua primeira visita, afirmo de antemão que, para usufruir dos textos deste blog, é necessário um mínimo de inteligência. Este blog contém reflexões sobre música, material ficcional, devaneios biográficos, desvarios em prosa, egotrips sonoras e até mesmo material de cunho jornalístico.

E, se você não é muito acostumado à leitura, provavelmente pode ter um pouco de dificuldades com a forma caótica com que as informações são despejadas neste espaço.

Gostaria de deixar claro que os referenciais sobre texto e música aqui dispostos são vastos e muitas das vezes antagônicos entre si. Por essa razão, narrativa-linear não é sobrenome deste espaço, entende?

Tendo isto em mente, fica mais fácil dialogarmos sobre nossos interesses em comum dispostos aqui, pois o entendimento de parte dos textos contidos neste blog não deve ser feito ao pé da letra. E se você por acaso tiver conhecimento ou mesmo noção das funções da linguagem então poderá usufruir mais adequadamente do material contido neste site, munido de ferramentas de responsabilidade de ordem exclusiva ao leitor.

Quero dizer que, apesar da minha formação como jornalista, apenas uma parcela pequena dos textos aqui expostos foi e é concebida com este intuito, o que me permite escrever sem maiores preocupações com formatos ou convenções. Geralmente escrevo o que me dá na telha e só depois eventualmente faço alguma revisão mais atenta, daí a razão de por essas e outras eu deixar como subtítulo para este O SOM DA MÚSICA o bordão VERBORRAGIA DE CÓDIGO-FONTE ABERTO COM VALIDADE RESTRITA, e também porque me reservo ao direito de minhas opiniões se transformarem com o passar do tempo.

Portanto, faço um pedido encarecidamente às pessoas dotadas de pensamento obtuso, aos fanáticos de todos os tipos, aos analfabetos funcionais e às aberrações do tipo: por gentileza, não percam seu tempo com minha leitura a fim de lhes poupar atenção dispensada indevidamente.

Aos leitores tradicionais e visitantes ocasionais com flexibilidade de raciocínio, peço minhas sinceras desculpas. Faço esse blá-blá-blá todo apenas para afastar qualquer pessoa com pouca inteligência. Mesmo porque tem tanta gente por aí que domina as normas da língua portuguesa, mas são praticamente analfabetos funcionais...


As seções do blog você encontra ao lado, sempre no post ÍNDICE DE SEÇÕES, e a partir dele fica fácil navegar por este site pessoal intitulado O SOM DA MÚSICA.

Sinta-se livre para expressar quaisquer opiniões a respeito dos textos contidos no blog, uma vez que de nada vale a pena esbravejar opiniões no cyber espaço sem o aval da resposta do interlocutor.

Espero que este seja um território livre para a discussão e expressão de opiniões, ainda que contrárias as minhas, acerca de nossa paixão pela música. Afinal, de nada valeria escutarmos discos, fazermos músicas, lermos textos, irmos a shows e vivermos nossas vidas sem que pudéssemos compartilhar nossas opiniões a respeito disso tudo.

Espero que você seja o tipo de leitor que aprecie a abordagem sobre música contida neste blog.


De qualquer forma, sejam todos bem-vindos! Sintam-se como se estivessem em casa.

Caso queira entrar em contato, meu email é marcus.marcal@yahoo.com.br.
Grande abraço!
Powered by Blogger