O SOM DA MÚSICA: RODOVIAS EM PAPIRO CIBERNÉTICO

Tuesday, May 09, 2006

RODOVIAS EM PAPIRO CIBERNÉTICO

ERA UMA VEZ... UM GÊNERO CHAMADO ROCK’N ROLL
Primeira parte da Resenha de Broken Toy Soldiers, o álbum dos Raconteurs (Work in Progress)

Ié, rock’n roll! Sim, hoje em dia o gênero assemelha-se mesmo a uma espécie de Peter Pan deslocado, maracujá velho diante do espelho alheio a Botox. Maroto ancião de uma cinqüentenária cria bastarda de preto velho com branquela. Enfim, você pode definir de várias maneiras, mas sempre há de a impermanência estilística inerente ao gênero passar-lhe uma rasteira diante de suas certezas mais absolutas quanto à sua estagnação. E por essas e outras, você há de se perguntar no decorrer da leitura das partes deste artigo: “mas por que esse cara está falando sobre tanta coisa quando na verdade bastariam só algumas linhas para o sujeito descrever o álbum?” Ou então: “por que ainda vir falar de grunge tanto tempo depois?” Sim, chutar cachorro morto a essa altura do campeonato seria realmente perda de tempo não fosse este disco do Raconteurs ancorado no jargão marketeiro de ser então “a resposta britânica ao Nevermind”. Ou seja, piada digna de você questionar até as boas intenções da empreitada. No entanto, antes de entrarmos no mérito da questão, vale a pena uma digressão acerca dos caminhos e descaminhos de nosso gênero preferido desde os longínquos 90. Vale a leitura!

“Nevermind? What was it anyway?” Você lembra? Foi assim que o Sonic Youth relembrou a esquecida efeméride grunge em pleno decênio do hype? Polaróide adequada dos estertores da cultura musical pop tal como era conhecida, principalmente após o boom oitentista: aquele mesmo eternizado em fóssil no Michael Jackson “Café-com-Leite” de Thriller e na putona materialista de uma madona sacralizada na iconografia pop de então. A perspicácia da pergunta foi certeira como um dedo no olho, pois realmente “era uma vez...” um panorama histórico que jamais se repetiria. “Este é o fim do mundo tal como o conhecemos”, já até vaticinara Michael Stipe, inspirado pela perspectiva da linha-dura esquerdista. Salve, Hobsbawn! O que alertou no fim do século passado sobre o fim das vanguardas em seus artigos sobre “o breve século XX”.

O legado euro-trash era coisa pra acadêmicos e vadios de museu enquanto a validade da pasteurizada cultura pop, tal como nós a conhecíamos, até se fazia vigente no panorama ainda oficialmente protoglobalizado. E o grunge fora o boi de piranha deste ocaso da música pop, microcosmo na lente de aumento do bafafá mercadológico. Nos primórdios dos 90, ao menos ao que nos chegou à época, não era novidade alguma que o melhor rock da época era feito em muquifos estadunidenses. A Inglaterra não fabricava nada assim tão relevante desde a despedida dos Smiths e o perfil meramente hedonista da cena vigente era um prazer tão consistente quanto uma inocente “punheta sedativa” quando se está insone. O que acontecia e acontece nos arredores do mundão era, e ainda o é, coisa de periferia, no que existe de mais excludente nesta afirmação. No entanto, não era necessário sismógrafo algum para se perceber que aquela pasmaceira aparente enunciava um cataclisma iminente que pegou meio mundo pescando siri antes da vindoura tsunami de barulho. Estamos falando de pedras que rolam e não criam limo, certo? Não de bonecos que arrotam a palavra rock para nos convencer pela suposta “atitude”. “Embustation... Embromation...” Salve a música! E salve-se quem puder...

O grunge veio, foi sorvido pela máquina com a devida “calma” inerente àqueles tempos e, dez anos depois, os mestres de cerimônia que se encarregaram de apresentar a uma nova geração, a aguardar ansiosa por canções verdadeiras em formato rock, as eminências pardas do gênero recauchutado eram os mesmos que se auto-ironizavam em tom solene quanto à inconsistência do levante do novo punk estadunidense de outrora, agora assimilado. Pelo menos aquela idéia espectral de quem supostamente mordeu a isca do consumo: “Nevermind? What was it, anyway?”. O que era mesmo? Ok, camisetas de flanelas, sebo no cabelo, desodorante vencido...

Pois é, o disco mais importante e seminal para toda uma nova geração de roqueiros alternativos que recusavam rendição ao convencionalismo do hit parade vigente no início dos 90, em pouco tempo se tornara inócuo e irrelevante; prenúncio de uma artificial e fugaz era do hype que se afigura nos dias de hoje, em meados dos 2000. E se Cobain não estivesse morto, certamente seus fantasmas relacionados à fama e ao apetite voraz de uma indústria que, agora tacanha, mas que, nos 70, uma vez fora ela tachada de cultural, já teriam se tornado um monte de Gasparzinhos. Saca? Fantasminhas camaradas... Isso no caso de ele fazer uma rápida comparação com o consumo selvagem a que foram submetidos os aspirantes a ícones pop por intermédio do padrão seguinte a se estabelecer nas pautas diárias do pop rock, mesmo cenário no qual um dia ele sentou-se ao trono de proclamado rei da idiopatia condicionada.

Não foi o primeiro e certamente não seria o último boneco de ventríloquo quebrado a rachar as estruturas que tentam domesticar a energia bruta e primal da música, atenuando sua força de comunicação ao descaracterizá-la em nome da diluição comercial. Funciona assim há tanto tempo que alguns chegam a acreditar no ilusionismo. Porém as entrelinhas nos testemunhos dos que vivenciaram realmente de perto a pulsões e tesões de vida em cima daquele cavalo maluco chamado rock’n roll facilmente evidenciam sua historiografia inoficial. Ganha-pão de toda uma estrutura que se sustenta e é beneficiada com sua assimilação e estagnação, enquanto haja ventos de mudança a soprar nos mares em que possa a música viva redemoinhar a pasmaceira sonora do viés meramente comercial. Geral esta em se tratando do ouvinte comum, aquele que simplesmente consome e não questiona o que está interiorizando por intermédio dos ouvidos. Propícia à reinvenção da roda como reação à inércia inerente aos padrões estabelecidos.

Meu amigo Billy Corgan (N.R.: vide meu perfil no MySpace, um dos retratos da superficialidade em que se baseiam as amizades lábeis em tempos de virtualidade disseminada), providencial espécie de Michael Schumacher de um Senna-Cobain tombado na curva Tamborello dos circuitos da cultura pop onde se imolaram tantos outros párias que hoje servem de adubo para este mesmo canibalismo da imagem alheia dos tempos de ontem – provavelmente estaria rindo ali do outro lado da telinha, sentado no trono de seu computador onde todo mundo é supostamente senhor de si, mas na verdade todo mundo funciona conforme o comando da matriz transnacional de um sistema financeiro sem fronteiras. Tempos em que a virtualidade permite a impessoalidade de nossas personas cibernéticas e chega a até ser piada questionar os mecanismos. Blá, blá, blá... “O mais importante é manter um padrão de integridade de seu trabalho, pois a grande atitude é não ser pelego de uma imagem cristalizada de narciso pop”, diria, provavelmente avalizado pelo Sonic Youth da frase que abre este texto. Desde os primórdios dos 80, exemplo de conduta e integridade de sua arte, ainda mais em se tratando da voracidade dos padrões de consumo a nós impostos nos dias de hoje, até mesmo na música.

E caso o rei da iliteratura rock não fosse deposto na primeira metade da década passada, uma vez não acreditasse na própria carapuça a qual lhe impingiram, Cobain provavelmente falaria hoje aos novatos do hype, qual um ancião calejado, o mesmo que nosso querido Arnowdo lhe eternizara em bilhete na ocasião de sua passagem pelo Brasil de meteoro caquerado, próximo a dilacerar-se. Falaria hoje aos macacos do “hype da hora” sobre a impermanência da realeza do que fora convencionado como pop algum dia, ainda que blocos destes mesmos segmentos realmente mereçam nossa atenção e não a idealização de nossas expectativas em relação a eles próprios. Vale mencionar a argúcia de James Osterberg (sim, eis bom exemplo) ao retratar na entrevista para o documentarista Jonathan Shaw (fala!), publicada em uma revista brasileira, sua opinião sobre o que é estar no comando daquele animal selvagem chamado rock’n roll.

Informação é conhecimento, tampouco este é sabedoria, reza o dito filosófico da popular tradição oral, muito distante de academicismos. Portanto punk, grunge, rock, blues, jazz... Enfim, não importa a designação do “eestiiiiiiloo” e sim o que confere algo de verdadeiro e singular a uma manifestação musical, pois repetir abedecedários caducos é fácil, o bacana é usar a sopa de letrinhas Campbell da cultura pop e a partir daí inventar um novo dialeto ou algum alfabeto diferente. Mas claro sem o apelo gratuito pelo inusitado, que é sacal. E isto sempre esteve presente no melhor da música feita com atitude. Seja ela, o desbunde Beatle, o grunge noventista, o protopunk que incendiou Londres, os extremos sonoros dos pilares do metal, antigênero não-ortodoxo por nascença e resposta ao flower pop caricatural etc. Antes de qualquer rotulação, se sobressai uma linguagem musical que pressupõe uma linhagem temporal. E a iliteratura do que se convencionou rock há de se fazer presente sempre que a música estiver comportada e previsível demais. No entanto, é justamente este um dos fatores que a faz adequado ao consumo fast food. Tutano para quem, precisa. Informação, para quem consome.
Continua...
Texto de Marcus Marçal
Todos os direitos reservados ao autor. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via e-mail.

CLIQUE AQUI PARA VOLTAR AO ÍNDICE DE SEÇÕES

0 Comments:

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home



 

 



Sou Marcus Marçal, jornalista de profissão e músico de coração.

Veja bem, se esta é sua primeira visita, afirmo de antemão que, para usufruir dos textos deste blog, é necessário um mínimo de inteligência. Este blog contém reflexões sobre música, material ficcional, devaneios biográficos, desvarios em prosa, egotrips sonoras e até mesmo material de cunho jornalístico.

E, se você não é muito acostumado à leitura, provavelmente pode ter um pouco de dificuldades com a forma caótica com que as informações são despejadas neste espaço.

Gostaria de deixar claro que os referenciais sobre texto e música aqui dispostos são vastos e muitas das vezes antagônicos entre si. Por essa razão, narrativa-linear não é sobrenome deste espaço, entende?

Tendo isto em mente, fica mais fácil dialogarmos sobre nossos interesses em comum dispostos aqui, pois o entendimento de parte dos textos contidos neste blog não deve ser feito ao pé da letra. E se você por acaso tiver conhecimento ou mesmo noção das funções da linguagem então poderá usufruir mais adequadamente do material contido neste site, munido de ferramentas de responsabilidade de ordem exclusiva ao leitor.

Quero dizer que, apesar da minha formação como jornalista, apenas uma parcela pequena dos textos aqui expostos foi e é concebida com este intuito, o que me permite escrever sem maiores preocupações com formatos ou convenções. Geralmente escrevo o que me dá na telha e só depois eventualmente faço alguma revisão mais atenta, daí a razão de por essas e outras eu deixar como subtítulo para este O SOM DA MÚSICA o bordão VERBORRAGIA DE CÓDIGO-FONTE ABERTO COM VALIDADE RESTRITA, e também porque me reservo ao direito de minhas opiniões se transformarem com o passar do tempo.

Portanto, faço um pedido encarecidamente às pessoas dotadas de pensamento obtuso, aos fanáticos de todos os tipos, aos analfabetos funcionais e às aberrações do tipo: por gentileza, não percam seu tempo com minha leitura a fim de lhes poupar atenção dispensada indevidamente.

Aos leitores tradicionais e visitantes ocasionais com flexibilidade de raciocínio, peço minhas sinceras desculpas. Faço esse blá-blá-blá todo apenas para afastar qualquer pessoa com pouca inteligência. Mesmo porque tem tanta gente por aí que domina as normas da língua portuguesa, mas são praticamente analfabetos funcionais...


As seções do blog você encontra ao lado, sempre no post ÍNDICE DE SEÇÕES, e a partir dele fica fácil navegar por este site pessoal intitulado O SOM DA MÚSICA.

Sinta-se livre para expressar quaisquer opiniões a respeito dos textos contidos no blog, uma vez que de nada vale a pena esbravejar opiniões no cyber espaço sem o aval da resposta do interlocutor.

Espero que este seja um território livre para a discussão e expressão de opiniões, ainda que contrárias as minhas, acerca de nossa paixão pela música. Afinal, de nada valeria escutarmos discos, fazermos músicas, lermos textos, irmos a shows e vivermos nossas vidas sem que pudéssemos compartilhar nossas opiniões a respeito disso tudo.

Espero que você seja o tipo de leitor que aprecie a abordagem sobre música contida neste blog.


De qualquer forma, sejam todos bem-vindos! Sintam-se como se estivessem em casa.

Caso queira entrar em contato, meu email é marcus.marcal@yahoo.com.br.
Grande abraço!
Powered by Blogger