O SOM DA MÚSICA: RODOVIAS EM PAPIRO CIBERNÉTICO V: Punk demais para o progressivo, progressivo demais para o punk

Tuesday, November 11, 2008

RODOVIAS EM PAPIRO CIBERNÉTICO V: Punk demais para o progressivo, progressivo demais para o punk

Considerações sobre "rock setentista"

O ouvinte comum de música pop de hoje é, queira ou não, decerto norteado pelos preceitos niilistas do punk do final dos anos 70. Digo punk do final dos 70, pois a meu ver a acepção do termo também se faz presente em inúmeras manifestações musicais anteriores às convenções da gênese do gênero. Portanto, vale a máxima de que a simplicidade da música é o que importa, algo que certamente dá margem a inúmeras picaretagens.

Enfim, o átomo ou um hipotético componente infinitesimal do punk não é privilégio da musicalidade tosca de três power chords encadeados em uma harmonia chinfrim. Não nasceu com o gênero, pois faz parte de inúmeras empreitadas humanas em diferentes linguagens. Em minha concepção, a centelha que originou o punk também está presente em outras manifestações estéticas até mesmo extramusicais e é um negócio tão comum que a melhor forma de exaltá-la é simplesmente fazer chacota dela mesma.

Há aproximadamente quinze anos, me recordo de uns colegas da cidade onde morava, no interior do litoral fluminense, se esbaldando ao emular a sonoridade e os jargões textuais do punk paulistano do início dos 80. Eu sei: “clones, we’re all”, Alice Cooper já chamava atenção a isso há uns 40 anos. Mas esse tipo de mentalidade castradora em relação à música sempre me levou a refletir a respeito da boçalidade de se compartimentar música em estilos, na condição de músico autodidata que sou e nunca vou deixar de ser.

Sério mesmo: ser músico me levou a não ter preconceito sobre música, que para mim é válida desde que algum, ou mesmo até dois ou mais, de seus componentes mexa comigo de alguma maneira. Pode ser pelo lado cerebral, emocional, comportamental ou o catzo. Como boa parte dos apreciadores de som que se prezam, estilo musical é coisa de menor importância.

Mercado zumbi e seus latifúndios improdutivos
Sei que para alguns, falar isso hoje em dia, em tempos de um mercado morto-vivo subdividido em infinitos nichos estéreis, é quase uma besteira sem tamanho. Mas sinceramente acho que nunca houve uma época tão apropriada para a molecada criativa literalmente desrespeitar toda e qualquer “certeza absoluta em relação à música”.

No entanto, não é bem isso o que rola...

Ainda prevalece o norteamento pelas diretrizes das matrizes hegemônicas como se ainda vivêssemos o deslumbramento à moda “Footloose” do início dos anos 80. E veja bem, isso acontece em uma época em que música cada vez tem menos importância mercadológica.

E apesar de ter eventualmente me engajado de alguma forma no modo operante dessa mesma máquina que hoje caduca, na condição de profissional da comunicação, ainda considero um privilégio nunca ter sido parte realmente integrante dessa leitmotif “midiotizante” que é a música criada para consumo e entretenimento.

Toda essa falação foi para chamar atenção que mesmo muita gente boa que escreve sobre música costuma confundir qualquer musicalidade mais “exuberante” com o tal rock progressivo. Já vi até gente boa tachando uma banda versátil como o Led Zeppelin como expoente do gênero. E achar isso é realmente muita ignorância! É como se qualquer “ousadia instrumental” fosse logo pejorativamente tachada com um estigma de um subgênero que também tem lá suas obras clássicas e seus méritos estéticos.

Digo isso porque ouvi recentemente um colega soltar involuntariamente que o MGMT é afeita ao rock progressivo, pois o show que a banda apresentou na etapa paulista do Tim Festival teria sido repleto de referências daquilo que o senso comum chama de “rock mala”. Ou pior, como se a dupla que capitaneia o projeto fosse composta por exímios instrumentistas.

Qualquer um com o mínimo de conhecimento sabe que isso passa longe de ser verdade, mas muito longe disso, estando os músicos citados mais propriamente próximos ao punk do que ao virtuose mala-progressivo, pois são tão virtuoses quanto um recém alfabetizado acidentalmente alçado à condição de “imortal” da Academia Brasileira de Letras.

Por isso, faço questão de frisar que não curto a utilização desse termo: rock progressivo. Isso hoje me lembra essas bandas chatas de heavy metal contemporâneas, daquelas em que os músicos tocam levadas difíceis em seus instrumentos sorrindo para saírem bonitos na foto o suficiente para angariarem novos alunos. E para mim, música é muito mais do que isso!

“Velho demais para o rock’n roll e jovem demais para morrer...”
Talvez a máxima do Jethro Tull me seja apropriada o suficiente para ilustrar o título deste texto a partir de uma paráfrase. Pois considero que o brasileiro tem exemplos fortes o suficiente para se mostrar um pouquinho mais inteligente quanto a questões como as levantadas por este texto. Falo isso, pois dois discos que são ótimos emblemas do que se poderia tachar de rock progressivo, conceitualmente são qualquer coisa, menos esse subgênero.

Refiro-me aos famigerados discos da fase “progressiva” dos Mutantes: “O A e o Z” (de 1971, porém lançado apenas em 1991), “Tudo foi feito pelo Sol” (1975) e “Mutantes ao Vivo” (1976). Conceitualmente são trabalhos simples: não tratam de mitos, tradições nórdicas ou qualquer patacoada do gênero -- fatores que poderiam caracterizar o estereótipo ou mesmo a caricatura do rock progressivo.

Também é importante lembrar que vivemos em um país que não reflete sobre sua própria história. Portanto, já seria mais do que a hora de a imprensa especializada relegar melhor tratamento a documentos de nossa memorabilia musical. Pois é de uso comum tachar pejorativamente a tal fase virtuose dos Mutantes, como se os camaradas já não fossem exímios instrumentistas em 1965, por exemplo.

Vale lembrar que assim como os Beatles, os Mutantes cresceram em público e naturalmente estariam criativamente estanques se continuassem a se repetir. E nada mais natural que a música da banda se sofisticar com o passar dos anos -- lembremos hoje do ocaso da estrela pop e do sucateamento do valor mercantil dos fonogramas musicais em tempos em que discografias inteiras podem ser acessadas ao simples clique de um mouse.

Além do mais, já estaria mais do que na hora de o consumidor de som reconhecer sua ignorância e insignificância e, pelo menos reconhecer o valor de música real, feita por gente de verdade -- não esses factóides pop que surgem e somem na poeira da história, no vácuo da mentirosa tendência novidadeira de última hora que alça zés-ninguém ao fogo-fátuo de um estrelato medido a conta-gotas.

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Sou Marcus Marçal, jornalista de profissão e músico de coração.

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