O SOM DA MÚSICA: ENTREVISTÃO XXXVII: Artista multimídia, Laurie Anderson traz seu novo show ao Brasil; leia entrevista

Friday, October 24, 2008

ENTREVISTÃO XXXVII: Artista multimídia, Laurie Anderson traz seu novo show ao Brasil; leia entrevista

03/09/2008 - 16h28
MARCUS MARÇAL
http://musica.uol.com.br/ultnot/2008/09/03/ult89u9652.jhtm

A artista norte-americana Laurie Anderson traz ao Brasil seu novo show "Homeland". Em sua terceira passagem pelo país, a cantora se apresentou em Porto Alegre nesta terça-feira (2) e faz outro show na cidade nesta quarta. Em São Paulo, Anderson canta nesta sexta (5) e sábado (6). Casada com o cantor e compositor Lou Reed, Laurie Anderson é uma das personalidades femininas mais importantes da arte de vanguarda contemporânea.

Desde sua estréia no cenário pop com o sucesso "O Superman", em 1981, seu trabalho se notabiliza por engajamento em questões sócio-políticas e não se restringe à música, pois incorpora experimentalismos com arte multimídia e instrumentos tradicionais.

Em seu novo show, a artista de 61 anos faz uma reflexão sobre os excessos tecnológicos da sociedade de informação e discute temas contemporâneos como a guerra, mídia, cultura da vigilância e questões ambientais.

Laurie Anderson falou ao UOL sobre seu novo espetáculo, de Porto Alegre, pouco antes do primeiro dos quatro shows da excursão brasileira, realizado na terça-feira (2). "Homeland" também será o nome de seu décimo álbum, que complementa a ópera "United States 1-4" (1983), espetáculo de oito horas e um dos marcos de sua carreira.

Anderson muda constantemente a formação das bandas que a acompanha no espetáculo "Homeland". No Brasil, a artista será acompanhada pelos músicos Skuli Sverrisson (baixo), Peter Scherer (teclados), Eyvind Kang (viola).

Leia abaixo a entrevista com Laurie Anderson:

UOL - Qual é sua expectativa em relação a esta turnê brasileira?
LAURIE ANDERSON - É a terceira vez que me apresento no Brasil e sei que as pessoas aqui realmente amam música --não apenas fingem que gostam. E isso torna as coisas muito mais divertidas para mim. Esse meu novo show é baseado em muito texto, e espero que a tradução seja boa, pois as letras das músicas serão exibidas em grandes legendas durante o show. Minha banda é formada por músicos que também são compositores e possuem suas próprias carreiras e grupos. Então me sinto afortunada por trabalhar com eles. Desta vez, apresentarei um tipo peculiar de eletro pop com ênfase em samples.

UOL - O que o público brasileiro pode esperar de seu novo show?
LAURIE ANDERSON - Bem, certamente muitas histórias. Realmente espero que a tradução simultânea seja excelente, caso contrário eu estarei realmente encrencada, pois é muito importante o entendimento das letras das músicas neste meu novo show. Eu gostaria de ter usado legendas até mesmo quando me apresentei em Nova York em julho deste ano, porque é comum deixarmos de entender metade das letras quando vamos a um show ao vivo. Não quis colocar muitas imagens e material multimídia em meu novo show justamente porque o mundo já anda complicado o bastante e dessa forma o público pode se ambientar ao espetáculo como se tudo fosse algo como um sonho.

UOL - "Homeland", o nome de seu novo show, é uma referência à expressão "homeland security" (algo como "segurança da terra-natal"), que se tornou popular após 11 de setembro de 2001 nos EUA. Você acha que os atentados marcam o início das "invasões bárbaras", conforme já foi retratado no cinema?
LAURIE ANDERSON - Acho que, embora parte dos norte-americanos espere a chegada dos bárbaros, eles nunca virão. Tem sido uma época muito infeliz nos EUA, e acredito que felizmente acabará em breve, com a possível eleição de Barack Obama. Neste meu novo trabalho, eu tenho tentado descrever um pouco sobre como é esta situação, que não se restringe aos EUA. É sobre viver em um mundo tecnológico onde tudo está à venda, o que não é privilégio dos habitantes do meu país.

"Homeland" também é sobre ver a vida a partir de duas perspectivas diferentes: por intermédio do amor ou da guerra. São dois filtros diferentes com os quais se pode observar o mundo atualmente.

UOL - Você e Lou Reed são dois artistas muito respeitáveis e estão juntos há bastante tempo, certo? Eventualmente acontece de vocês interferem no trabalho um do outro?
LAURIE ANDERSON - Nos casamos há dois meses, em abril deste ano, mas já estamos juntos há 16 anos. Em seu trabalho, Lou é muito mais direto que eu e eventualmente acontece de ele me ver escrevendo e dizer que não consegue entender exatamente o que eu realmente quero dizer. E eu costumo falar: "Bem, são metáforas e acho muito divertido fazer uso delas". Portanto, posso dizer que temos abordagens muito distintas em relação aos nossos trabalhos e por isso mesmo é muito mais excitante para nós, quando conversamos a respeito do trabalho um do outro. Mas, ao mesmo tempo, é como o trabalho de dois advogados que são casados, pois você não precisa explicar muitas coisas sobre sua vida. Então, se você precisa de muitas horas dentro de um estúdio, a outra pessoa entende perfeitamente. E não rola aquela coisa: "O que você está falando? Você vai ficar fora de casa durante doze horas? (risos)". Portanto, seja qual for o lugar em que seu parceiro esteja, você saberá entender o que ele está fazendo.

UOL - "Homeland" pode ser descrito como um novo volume ou atualização para sua ópera "United States I-IV" (1983), que tinha a duração de oito horas?
LAURIE ANDERSON - De alguma forma, sim. Mas não se trata de um espetáculo multimídia. É mais aproximado a um longo formato musical, pois se baseia em muitas histórias e canções, mas contamos com todo o aparato extra-musical que dispúnhamos naquela época.

UOL - "United States I-IV" promovia reflexões sobre os Estados Unidos em 1983, assim como "Homeland" hoje. Você fecha um ciclo com seu novo trabalho 25 anos depois?
LAURIE ANDERSON - Não, nunca! É algo que está em constante transformação e certamente nunca se acaba. Somente tento capturar esses momentos com meu trabalho porque na semana que vem já será algo completamente diferente. Tento apenas que meu trabalho não se pareça com o noticiário, pois não quero abordar os eventos vigentes. Embora eu esteja interessada no que acontece agora, tento escrever coisas que sejam situações recorrentes e não apenas um retrato do momento presente.

UOL - "United States I-IV" e "Homeland" são trabalhos complementares?
LAURIE ANDERSON - É um pouco a respeito disso. Tecnicamente são trabalhos distintos, mas, em termos de conteúdo, sim, são trabalhos semelhantes, com o objetivo de descrever a vida contemporânea em momentos diferentes. Mas meu negócio não é política, no sentido tradicional do termo. Uso essas referências apenas para contar histórias. Não digo às pessoas como elas devem proceder, mesmo porque eu própria nem sei. Veja bem: quando as pessoas falam que artistas deveriam fazer do mundo um lugar melhor, eu não tenho tanta certeza disso porque você precisa se perguntar: "Melhor para quem? Para os artistas? Para o público? Do que você está falando?". Então, na condição de artista, eu apenas tento descrever as coisas e não como consertá-las. Eu sequer tento dizer o que é certo ou errado. É apenas uma descrição e é isso. É assim que a coisa funciona.

UOL - Na canção "Only an Expert", há uma afirmação de que nossos problemas são tão complexos que somente especialistas podem lidar com eles, pois só passam a existir quando esses especialistas afirmam a existência desses problemas. Esta canção é uma evidência de uma ditadura velada em níveis nunca vistos com a qual lidamos atualmente em nosso planeta?
LAURIE ANDERSON - Acho que existe toda uma cultura de "especialistas" e assim as pessoas são encorajadas a dependerem delas. De fato, é como se tratassem os adultos como se fossem crianças, pois você precisa de um especialista para então decidir se você realmente possui algum problema de personalidade. Além do mais, isso incentiva as pessoas a não confiarem em si mesmas. Então o que tento dizer nesta canção é: "confie em si mesmo, esqueça os especialistas". Pois você realmente não precisa desses milhares de experts para todos os assuntos e deveria tentar apenas pensar por si próprio -- esteja você certo ou errado. Eu mesma incluo nisso, quando digo se uma coisa está certa ou errada.

UOL - A música "The Underwear Gods" trata da superficialidade das relações humanas, até mesmo em âmbito íntimo?
LAURIE ANDERSON - Não, é uma canção sobre anúncios de comercial, sobre imagens idealizadas da perfeição que algumas pessoas representam em grandes cartazes publicitários. Não falaria em colapso moral, pois não sou uma pessoa ligada à moralidade. De modo geral, acho que as pessoas se comportam muito bem e um fato só vira notícia quando acontece o contrário. E considero que falência moral é algo muito fácil de se dizer, mas atualmente não estamos vivendo a Segunda Guerra Mundial novamente. E se você se voltar ao passado, verá que já passamos por vários momentos difíceis na história. Como não me afeiçôo à moralidade, portanto você não me verá dizendo coisas do tipo: "o mundo está terrivelmente problemático, então me permita mostrar como consertá-lo". Esse não é o meu trabalho. Como artista, meu interesse está em saber como as pessoas contam suas próprias histórias a respeito do mundo -- embora eu não saiba se são verdadeiras ou não.

UOL - Quais são as canções mais notáveis de seu novo trabalho?
LAURIE ANDERSON - Não sou um crítico, mas, na condição de artista, posso dizer que gosto de todas as músicas, pois não tento avaliá-las. As canções que mais me divirto ao tocá-las são as que me dão espaço para maiores improvisações, pois me é muito interessante mudá-las a cada nova apresentação e trabalhar com diferentes tipos de música. Isso é o que me agrada e decidi que, a cada novo show, haveria novas improvisações para diferentes tipos de música. Assim o espetáculo é sempre novo.

UOL - O cidadão comum norte-americano poderia ser descrito pejorativamente como o típico "sujeito grande e covarde que bate em todo mundo"?
LAURIE ANDERSON - Não, o norte-americano mediano não é assim. Talvez um soldado que queira se mostrar o fortão possa ser esse exemplo pejorativo, mas os americanos não são assim de modo geral. Faço uso de muita ironia quando abordo algum desses tipos em meu trabalho, mas não poderia afirmar que isso descreve a maioria.

UOL - Devido ao aprimoramento tecnológico, você acha que é mais fácil trabalhar com artes visuais e projetos multimídia atualmente?
LAURIE ANDERSON - Sim, mas por outro lado é um pouco mais difícil de você encontrar um estilo individual, pois muitas pessoas trabalham com as mesmas mídias ou softwares como Final Cut Pro, Pro-Tools ou GarageBand. Quando todo mundo usa as mesmas ferramentas, é mais difícil realizar algo de original. Mas acredito que, quanto mais as pessoas se familiarizarem com isso, mais elas poderão se aventurar criativamente. Pelo menos, é o que espero.

UOL - Como é ser uma artista que migrou das paradas pop, com a música "O Superman", diretamente para as salas de concerto?
LAURIE ANDERSON - Gosto de todos os tipos de cenas musicais e não considero que uma possa ser melhor que outra, particularmente. Apresentarei esse show com parte de uma grande orquestra na Holanda e acho interessante transitar por entre diferentes universos artísticos, seja música erudita, poesia ou mesmo em ambiente acadêmico. Eu não pertenço a nenhum desses mundos, apenas passo através deles e o perfil multimídia do meu trabalho apenas reforça essa perspectiva.

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