ENTREVISTÃO XXVI: Sem irmãos Cavalera, Sepultura finaliza disco inspirado em "Laranja Mecânica"; leia entrevista
08/08/2008 - 18h34
MARCUS MARÇAL
http://musica.uol.com.br/ultnot/2008/08/08/ult89u9487.jhtm
O Sepultura acaba de finalizar a mixagem de seu novo álbum, "A-Lex" ("Sem lei", em latim), ainda sem data de lançamento definida. A banda recebeu a imprensa nessa quinta-feira (7) em um estúdio na zona oeste de São Paulo para apresentar o disco em primeira mão.
"A-Lex" é 12º disco do Sepultura e o primeiro sem a participação dos irmãos Cavalera, Max (voz e guitarra) e Iggor, que formaram a banda em 1984 junto a Jairo Guedz (guitarra) e Paulo Jr. (baixo) --apenas esse último faz parte da formação atual do grupo. Os dois irmãos atualmente tocam juntos no Cavalera Conspiracy.
A formação atual do Sepultura é capitaneada por Andreas Kisser (guitarrista da banda desde 1987) e também conta com Derrick Green (vocalista desde 1998) e Jean Dolabella (bateria), que estréia com o grupo em disco, além de Paulo Jr (baixo).
Assim como em "Dante XXI" (2006), álbum anterior baseado em "A Divina Comédia" (de Dante Alighieri), o Sepultura também se inspirou em um clássico da literatura neste novo disco. As canções de "A-Lex" remetem a "Laranja Mecânica" ("A Clockwork Orange", de 1962), livro do escritor inglês Anthony Burgess que conta a história do personagem Alex De Large --um fictício adolescente de quinze anos, amante de música clássica (principalmente a "Nona Sinfonia" de Beethoven), sexo e violência extrema. A história é mais conhecida pelo filme de Stanley Kubrick, de 1971.
Andreas Kisser fala sobre a escolha do livro para conceituar o novo trabalho do Sepultura. "Achamos muito mais interessante trabalhar nosso imaginário em relação a um futuro sujo, sem lei e caótico como o de 'Laranja Mecânica' do que propriamente nos inspirarmos em alguma banda de heavy metal. Assim que o conceito foi definido, mergulhamos na obra e escrevemos as músicas aleatoriamente. O disco foi feito rapidamente", explicou.
"A-Lex" apresenta 18 faixas em aproximadamente uma hora de música. A banda optou por trabalhar em um repertório estruturado com poucos refrões e solos, conforme comentou o baterista Jean Dollabela. "Foi um processo natural, pois o repertório surgiu a partir de improvisações em estúdio durante três meses. Além disso, nós procuramos fugir dos clichês de estrutura de composição e não nos preocupamos com riffs, refrões e coisas do tipo", declarou.
Dialeto "Nadsat"
Para manter um padrão de fidelidade à obra original, até mesmo um dicionário foi utilizado para a elaboração de algumas letras do novo disco, que utilizam alguns termos do dialeto "Nadsat" (o equivalente ao termo "adolescente" em russo, traduzido ao português) inventado por Burgess a fim de caracterizar o vocabulário peculiar de Alex. O garoto utiliza gírias do linguajar "cockney", típico da classe operária britânica e marginais londrinos, misturadas a palavras no idioma russo e dialeto cigano.
Como o livro de Burguess, "A-Lex" também é dividido em partes. Cada uma delas narra diferentes passagens da história de Alex De Large. "Dante XXI" (2006) também era dividido em partes ("Inferno", "Purgatório" e "Paraíso").
Dividida em cinco músicas, a primeira parte do disco retrata a violência extrema, sem limites, do protagonista. Alex lidera uma gangue de delinqüentes juvenis que espanca, estupra, mata e comete todo tipo de atrocidades. Essa violência é representada na mistura de metal e hardcore característica do Sepultura, à exceção de fraseados em violão de nylon em "We've Lost you".
Após a traição de um de seus companheiros, Alex é preso e condenado a vários anos de cadeia. A repressão ao comportamento do personagem é retratada em trecho de "What I Do", faixa que fecha a primeira parte do álbum, quando o vocalista Derrick Green encarna A-Lex gritando a frase "That's what I do, I do what I like to do! What did I do to deserve this?" (algo como "Aquilo é o que eu faço e faço porque gosto! O que eu fiz para merecer isso?").
Mas os atrativos musicais de "A-Lex" são a segunda e terceira partes do disco, que representam o inferno pessoal vivido pelo personagem do livro de Burgess.
Dividida em seis músicas, a segunda parte mostra a prisão, o delírio induzido pelas drogas e a terapia do protagonista pelo "Método Ludovico". Como forma de atenuar sua pena, Alex aceita submeter-se como cobaia de um "tratamento experimental para refrear seus impulsos destrutivos", uma espécie de "lavagem cerebral" induzida por drogas e condicionamento psicológico. Green canta "my blood is cold" ("meu sangue é frio") em "The Treatment".
"Metamorphosis" começa com andamento lento e guitarra sem distorção, uma sonoridade distinta ao Sepultura tradicional. E temas como "Sadistic Values", "Forceful Behaviour" e "Conform" evidenciam o processo de "transformação" do personagem.
Rock orquestral
A terceira parte é dividida em cinco músicas e apresenta o personagem pagando por todos os seus pecados, uma vez que a terapia de aversão lhe provoca repulsa a tudo aquilo que apreciava anteriormente (sexo, violência e música clássica).
Sonoramente, destacam-se "The Experiment" e "Ludwig Van". O primeiro apresenta influências do grupo britânico surgido no final dos anos 70 Killing Joke, enquanto o último é uma releitura da "Nona Sinfonia" de Beethoven em que o Sepultura toca com uma orquestra de doze músicos regidos pelo maestro Alexei Kurkdjan.
O baterista Jean Dolabella ressaltou que o mais difícil foi trabalhar a parte orquestrada do disco. "Não gravamos juntos, mas foi trabalhoso organizarmos as coisas. Não soa como uma mera colagem de música clássica e rock pesado. A música flui facilmente", declarou.
Capítulo não retratado no filme
Ao final do livro de Burgess, Alex é abandonado por todos e sua situação se reverte com a ajuda de uma das vítimas de sua crueldade. Esse capítulo não consta no filme de Kubrick, mas a banda o representa com a música "Paradox", de acordo com a proposta original de Burgess.
O Sepultura tomou a liberdade poética de separar o último capítulo do livro como uma quarta parte porque é um trecho importante na narrativa de Burguess que Stanley Kubrick não aproveitou em seu filme.
Kisser falou sobre o que considera a mensagem final de "Laranja Mecânica". "O capítulo final é quando nos questionamos se temos ou não livre escolha. Vivemos tão controlados por religião, pecados, e nos impõem tantos limites antes mesmo de nascermos. Aí é muito difícil nos libertamos disso tudo. E todo mundo faz besteira durante a adolescência, pois nós só aprendemos mesmo na base da porrada. Mas, ao passar por todos aqueles experimentos, Alex se torna ainda pior do que era antes e só se cura após a tentativa de suicídio. O personagem só se torna uma pessoa melhor sem a imposição por parte das instituições que o tentavam controlar anteriormente", conclui.
O Sepultura ainda não sabe quando começa a promover o novo repertório em turnê. Em 23 de agosto, a banda fará um show fechado para seu fã-clube. Duas músicas de "A-Lex", "The Treatment" e "What I Do!", já estão sendo apresentadas em shows recentes do Sepultura, que ainda promove o disco "Dante XXI".
MARCUS MARÇAL
http://musica.uol.com.br/ultnot/2008/08/08/ult89u9487.jhtm
O Sepultura acaba de finalizar a mixagem de seu novo álbum, "A-Lex" ("Sem lei", em latim), ainda sem data de lançamento definida. A banda recebeu a imprensa nessa quinta-feira (7) em um estúdio na zona oeste de São Paulo para apresentar o disco em primeira mão.
"A-Lex" é 12º disco do Sepultura e o primeiro sem a participação dos irmãos Cavalera, Max (voz e guitarra) e Iggor, que formaram a banda em 1984 junto a Jairo Guedz (guitarra) e Paulo Jr. (baixo) --apenas esse último faz parte da formação atual do grupo. Os dois irmãos atualmente tocam juntos no Cavalera Conspiracy.
A formação atual do Sepultura é capitaneada por Andreas Kisser (guitarrista da banda desde 1987) e também conta com Derrick Green (vocalista desde 1998) e Jean Dolabella (bateria), que estréia com o grupo em disco, além de Paulo Jr (baixo).
Assim como em "Dante XXI" (2006), álbum anterior baseado em "A Divina Comédia" (de Dante Alighieri), o Sepultura também se inspirou em um clássico da literatura neste novo disco. As canções de "A-Lex" remetem a "Laranja Mecânica" ("A Clockwork Orange", de 1962), livro do escritor inglês Anthony Burgess que conta a história do personagem Alex De Large --um fictício adolescente de quinze anos, amante de música clássica (principalmente a "Nona Sinfonia" de Beethoven), sexo e violência extrema. A história é mais conhecida pelo filme de Stanley Kubrick, de 1971.
Andreas Kisser fala sobre a escolha do livro para conceituar o novo trabalho do Sepultura. "Achamos muito mais interessante trabalhar nosso imaginário em relação a um futuro sujo, sem lei e caótico como o de 'Laranja Mecânica' do que propriamente nos inspirarmos em alguma banda de heavy metal. Assim que o conceito foi definido, mergulhamos na obra e escrevemos as músicas aleatoriamente. O disco foi feito rapidamente", explicou.
"A-Lex" apresenta 18 faixas em aproximadamente uma hora de música. A banda optou por trabalhar em um repertório estruturado com poucos refrões e solos, conforme comentou o baterista Jean Dollabela. "Foi um processo natural, pois o repertório surgiu a partir de improvisações em estúdio durante três meses. Além disso, nós procuramos fugir dos clichês de estrutura de composição e não nos preocupamos com riffs, refrões e coisas do tipo", declarou.
Dialeto "Nadsat"
Para manter um padrão de fidelidade à obra original, até mesmo um dicionário foi utilizado para a elaboração de algumas letras do novo disco, que utilizam alguns termos do dialeto "Nadsat" (o equivalente ao termo "adolescente" em russo, traduzido ao português) inventado por Burgess a fim de caracterizar o vocabulário peculiar de Alex. O garoto utiliza gírias do linguajar "cockney", típico da classe operária britânica e marginais londrinos, misturadas a palavras no idioma russo e dialeto cigano.
Como o livro de Burguess, "A-Lex" também é dividido em partes. Cada uma delas narra diferentes passagens da história de Alex De Large. "Dante XXI" (2006) também era dividido em partes ("Inferno", "Purgatório" e "Paraíso").
Dividida em cinco músicas, a primeira parte do disco retrata a violência extrema, sem limites, do protagonista. Alex lidera uma gangue de delinqüentes juvenis que espanca, estupra, mata e comete todo tipo de atrocidades. Essa violência é representada na mistura de metal e hardcore característica do Sepultura, à exceção de fraseados em violão de nylon em "We've Lost you".
Após a traição de um de seus companheiros, Alex é preso e condenado a vários anos de cadeia. A repressão ao comportamento do personagem é retratada em trecho de "What I Do", faixa que fecha a primeira parte do álbum, quando o vocalista Derrick Green encarna A-Lex gritando a frase "That's what I do, I do what I like to do! What did I do to deserve this?" (algo como "Aquilo é o que eu faço e faço porque gosto! O que eu fiz para merecer isso?").
Mas os atrativos musicais de "A-Lex" são a segunda e terceira partes do disco, que representam o inferno pessoal vivido pelo personagem do livro de Burgess.
Dividida em seis músicas, a segunda parte mostra a prisão, o delírio induzido pelas drogas e a terapia do protagonista pelo "Método Ludovico". Como forma de atenuar sua pena, Alex aceita submeter-se como cobaia de um "tratamento experimental para refrear seus impulsos destrutivos", uma espécie de "lavagem cerebral" induzida por drogas e condicionamento psicológico. Green canta "my blood is cold" ("meu sangue é frio") em "The Treatment".
"Metamorphosis" começa com andamento lento e guitarra sem distorção, uma sonoridade distinta ao Sepultura tradicional. E temas como "Sadistic Values", "Forceful Behaviour" e "Conform" evidenciam o processo de "transformação" do personagem.
Rock orquestral
A terceira parte é dividida em cinco músicas e apresenta o personagem pagando por todos os seus pecados, uma vez que a terapia de aversão lhe provoca repulsa a tudo aquilo que apreciava anteriormente (sexo, violência e música clássica).
Sonoramente, destacam-se "The Experiment" e "Ludwig Van". O primeiro apresenta influências do grupo britânico surgido no final dos anos 70 Killing Joke, enquanto o último é uma releitura da "Nona Sinfonia" de Beethoven em que o Sepultura toca com uma orquestra de doze músicos regidos pelo maestro Alexei Kurkdjan.
O baterista Jean Dolabella ressaltou que o mais difícil foi trabalhar a parte orquestrada do disco. "Não gravamos juntos, mas foi trabalhoso organizarmos as coisas. Não soa como uma mera colagem de música clássica e rock pesado. A música flui facilmente", declarou.
Capítulo não retratado no filme
Ao final do livro de Burgess, Alex é abandonado por todos e sua situação se reverte com a ajuda de uma das vítimas de sua crueldade. Esse capítulo não consta no filme de Kubrick, mas a banda o representa com a música "Paradox", de acordo com a proposta original de Burgess.
O Sepultura tomou a liberdade poética de separar o último capítulo do livro como uma quarta parte porque é um trecho importante na narrativa de Burguess que Stanley Kubrick não aproveitou em seu filme.
Kisser falou sobre o que considera a mensagem final de "Laranja Mecânica". "O capítulo final é quando nos questionamos se temos ou não livre escolha. Vivemos tão controlados por religião, pecados, e nos impõem tantos limites antes mesmo de nascermos. Aí é muito difícil nos libertamos disso tudo. E todo mundo faz besteira durante a adolescência, pois nós só aprendemos mesmo na base da porrada. Mas, ao passar por todos aqueles experimentos, Alex se torna ainda pior do que era antes e só se cura após a tentativa de suicídio. O personagem só se torna uma pessoa melhor sem a imposição por parte das instituições que o tentavam controlar anteriormente", conclui.
O Sepultura ainda não sabe quando começa a promover o novo repertório em turnê. Em 23 de agosto, a banda fará um show fechado para seu fã-clube. Duas músicas de "A-Lex", "The Treatment" e "What I Do!", já estão sendo apresentadas em shows recentes do Sepultura, que ainda promove o disco "Dante XXI".
Contatos pelo email marcus.marcal@uol.com.br
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