O SOM DA MÚSICA: ENTREVISTÃO XIX: "Nossa geração é descompromissada com a política", diz Tico Santa Cruz, do Detonautas

Friday, October 24, 2008

ENTREVISTÃO XIX: "Nossa geração é descompromissada com a política", diz Tico Santa Cruz, do Detonautas

11/04/2008 - 19h26
http://musica.uol.com.br/ultnot/2008/04/11/ult89u8914.jhtm

O grupo de pop-rock Detonautas Roque Clube lança seu quarto álbum, "O Retorno de Saturno". No novo trabalho, a banda promove uma ruptura na sonoridade marcada até então pelas guitarras pesadas.

Devido ao assassinato de Rodrigo Netto (guitarrista e um dos principais compositores do Detonautas), depois do lançamento de "Psicodeliamorsexo & distorção" (2006) o grupo formado por Tico Santa Cruz (voz e violão), Fábio Brasil (bateria), Tchello (baixo), DJ Cleston (percussão, scratches e efeitos) e Renato Rocha (violão e guitarra) teve de se reestruturar para dar prosseguimento a sua carreira. O líder da banda, Santa Cruz, ficou sem seu principal parceiro nas composições, e a redefinição de rumos concretiza-se no novo álbum, onde canções dão lugar às guitarras pesadas de sua obra pregressa.

O vocalista falou ao UOL sobre a lacuna deixada pelo companheiro de grupo, cujo espectro permeia o novo trabalho da banda. "A ausência do Netto certamente mudou os rumos de nosso trabalho porque ele contribuía para o nosso som com sua identidade musical", declarou. Também falou de seu aprimoramento como letrista e ainda refletiu sobre a posição do grupo no atual cenário do pop-rock brasileiro, ressaltando a importância do engajamento em causas políticas e o descompromisso generalizado de sua geração para com estas questões, entre outros assuntos.

UOL - O que "O Retorno de Saturno" representa para a discografia dos Detonautas?
Tico Santa Cruz - Com esse disco, nós conseguimos uma paisagem diferente dentro da perspectiva dos três discos que o Detonautas lançou até agora, pois são trabalhos bastante diferentes uns dos outros. É um álbum de canção, composto no violão, mas não é necessariamente um disco acústico. Não tenho melhor definição, pois as pessoas tendem a ouvir as coisas mais lentas e tachá-las como baladas - o que não acho pertinente. Canção é uma coisa que ficou tão fora do circuito das rádios que as pessoas passaram a confundir os estilos musicais, pois é tanto rótulo que a essência acaba se diluindo.

UOL - O enfoque maior em canções é uma conseqüência do fato de você hoje se sobressair no processo criativo do grupo, em detrimento à contribuição coletiva dos outros integrantes?
Santa Cruz - A maioria das composições do Detonautas sempre foi feita por mim e pelo Netto. E, em função de tudo o que aconteceu, esse disco veio à tona em um contexto completamente diferente dos anteriores, pois não contamos mais com a presença dele e essa ausência gerou uma série de sentimentos diferentes, com os quais não havíamos lidado até o momento. E tentamos transformar tudo isso em música. No início de 2007, aconteceu de eu ir para Trancoso, na Bahia, e lá tirei alguns dias para refletir. Levei o violão e a viagem me inspirou a compor material novo e, como não havia levado gravador, registrei todas as músicas na secretária eletrônica do meu celular. Foram dias muito especiais para mim, pelo fato de eu ter composto lá 90% do disco. Só depois mostrei o material para a banda e cada um dos integrantes contribuiu para a forma como as músicas ganharam seu formato final em disco.

UOL - Hoje a música do Detonautas é mais calma do que anteriormente?
Santa Cruz - "Retorno de Saturno" não é um disco muito agitado. É um álbum para se ouvir tranqüilamente, prestar atenção às letras e, se for possível, se identificar com os temas. Não predominam guitarras distorcidas e não estamos esbanjando hormônios como na adolescência. Considero-o um trabalho mais equilibrado. Naturalmente essa nossa faceta seria privilegiada e isso viria à tona em algum momento da nossa história. Até porque tivemos a experiência de fazer versões acústicas de material de outros discos e soávamos muito bem, com uma ênfase maior nas canções. E dentro do contexto em que o disco foi criado, para mim não havia o menor sentido de colocarmos gritaria ou algo que remetesse ao que já fizéramos. A ausência do Netto certamente mudou os rumos de nosso trabalho porque ele contribuía muito com sua identidade musical no som do grupo.

UOL - Com "Retorno de Saturno", o Detonautas faz uma versão do emocore com mais testosterona?
Santa Cruz - Acho que, de emocore, nós não temos nada. Em minha opinião, as pessoas banalizaram esse rótulo e o estigmatizaram de uma maneira pejorativa. A meu ver, o disco tende mais a uma linha melódica da Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso e rock brasileiro dos anos 80, mas com uma pegada contemporânea. A única relação com o emo seria a da exposição dos sentimentos de uma maneira filosófica -- e não romântica, como acontece com as bandas do gênero. Não necessariamente abordamos o amor romântico nesse disco, aquele que se vende na novela ou no cinema hollywoodiano -- e sim o amor fraterno. Existe uma diferença grande e essa confusão cria o preconceito em relação ao próprio tema. Essa geração que faz sucesso hoje em dia tem um leque de influências muito grande devido à Internet. O pessoal escuta coisas que não tocam no rádio e tem essa vantagem em comparação ao pessoal que veio antes, mais restrito ao que era veiculado pela mídia, então isso gerou uma série de movimentos e bandas que ficaram vinculadas a esse rótulo emo. O gênero ganhou proporção mundialmente e acabou causando confusão devido ao próprio nome, pois qualquer canção que fale de amor já é logo tachada de emo. Na verdade, é uma corruptela do hardcore, mas em alguns momentos mais parece música sertaneja em uma roupagem roqueira, principalmente em termos de letras. Falo isso sem preconceito, de forma alguma pejorativa. Mas acho que a abordagem sobre sentimentos no disco novo é diferente. Nesse sentido, é um trabalho mais maduro, pelo menos na minha concepção.

UOL - Como você vê a evolução de suas composições a cada lançamento do Detonautas?
Santa Cruz - Por intermédio da literatura, venho buscando novos caminhos para me expressar nos textos. Desde pequeno, eu tenho o costume de escrever muito, mas tinha dificuldade de transformar meu texto em música. Ainda tenho uma certa dificuldade de transpor para música o conteúdo de meus textos, até mesmo os temas que abordo em meu blog. E nesse disco eu testei um processo diferente, pois eu normalmente fazia a música e só depois eu fazia a letra me baseando nos fonemas. Em "Retorno de Saturno", eu fui fazendo poesias ou textos e tentando transformá-los em música. É uma abordagem diferente e isso se deve em muito fato de eu ter me conectado, há uns seis anos, com o universo da leitura e isso naturalmente acaba se refletindo no meu vocabulário. E como compositor, minha próxima meta é a busca por parcerias fora do Detonautas, com artistas que tenham algo a acrescentar, pois não pretendo fazer música apenas só. Tenho admiração por algumas pessoas como Paulinho Moska, Lenine, pessoas que vão agregar valor musical ao nosso trabalho e com quem eu também possa aprender - ou até mesmo os poetas com quem já trabalhei como o Tavinho Paes e o Edu Planchês.

UOL - Qual foi a sua inspiração para temas como "Ensaio Sobre a Cegueira" e "Soldados de Chumbo"?
Santa Cruz - Eu compus "Ensaio sobre a Cegueira" em dois momentos e ela nem tinha esse nome -- se chamava "Nietzche Song". Estava lendo "Aurora" e fui escrevendo algumas coisas. Só depois eu peguei o livro do escritor português José Saramago com esse nome. E embora não tenha ligação direta com o livro, quis usar esse nome para aguçar a curiosidade dos fãs. E espero que eles leiam o livro, pois é uma maneira que temos para driblar a resistência que a juventude em geral tem pela literatura. O verso "não confundir ódio com diversão" mostra uma cegueira coletiva dos jovens, que encontram diversão na violência. Acho que, quando nos expomos dessa forma, até podemos ser objeto de críticas negativas, mas elas são sempre bem-vindas quando há fundamento. O que não entendo é esse paradoxo da cultura brasileira de sempre achar que as coisas cultas precisam ser um pouco formais ou só possam ser criadas por uma elite. É muita bobagem alguns intelectuais guardarem seu conhecimento apenas para si ou para um grupo seleto de amigos. O comportamento do brasileiro se reflete de acordo com o que é oferecido em termos de cultura no país e fica parecendo que queremos que o povo continue ignorante, pois assim é mais fácil de ser manipulado. Dessa safra de canções compostas em Trancoso, "Soldados de Chumbo" é quase uma cantiga, uma canção bem infantil. No disco, ela é uma mistura de country e folk, mas, quando a compus, pensei em uma canção-de-ninar. A letra é bastante ácida e ficava esse contraponto da infantilidade da levada com os versos da música, que se referem a coisas que acontecem com todo mundo. Aconteceu comigo e eu fiquei pensando bastante nisso. Acabamos fazendo uma sátira, pois o brasileiro tem a mania de pegar as coisas de fora e copiar o que existe de pior, os maus exemplos. Existem muitos significados ali embutidos e gosto quando alguém consegue percebê-los. Inclusive tem um trecho da letra em que uso o termo "grande ordem progressista", que se refere à mensagem positivista no lema da bandeira nacional. Originalmente, era "Amor, Ordem e Progresso", mas na bandeira não coube o amor, por questões estéticas. É uma coisa que as pessoas nem sabem e minha opinião é que isso se refletiu diretamente na nação, pois, etimologicamente, brasileiro significa literalmente "traficante de pau brasil". Então estamos sempre conectados a essas coisas de uma maneira muito distorcida, pois o Brasil acaba se tornando uma caricatura de si mesmo. "Oração no Horizonte" é uma canção que sempre toco nos protestos que fazemos aqui no Rio de Janeiro, quando pediam que eu falasse alguma coisa. Acho que ela expressa muito bem meus sentimentos, pois acho que os dias de paz estão em nós mesmo, assim como o amor.

UOL - Alguns temas foram inspirados pelo o que aconteceu com o Netto?
Santa Cruz - Tudo o que aconteceu se refletiu no clima do disco, nas letras. Já comentaram comigo que o disco era soturno e fui procurar essa palavra no dicionário e descobri que a origem é "de Saturno". Não sabia disso e ficava ensimesmado de ouvir as pessoas falarem que o disco é soturno. Não concordo com isso em absoluto, pois também é um álbum leve. Depois de passarmos por toda aquela turbulência, uma experiência que não diz respeito somente ao âmbito emocional, foi difícil administrarmos o que se passou. "Verdades do Mundo" foi escrita exclusivamente para o Netto, assim como "Lógica" foi inspirada nos sonhos que tinha freqüentemente com ele. Isso aconteceu durante alguns meses e foi muito esquisito, pois lidamos com nossa insignificância, com nossa falta de controle sobre as coisas. Foi um momento crítico. Já "Retorno de Saturno" é uma música em que expressei meus pensamentos sobre onde ele poderia estar agora. É um pouco confessional, mas o disco também tem o conceito baseado na origem astrológica do termo.

UOL - Como você vê hoje a posição do Detonautas atualmente no cenário do pop rock mainstream?
Santa Cruz - Acho que hoje temos nossa própria identidade sonora, que não se parece com outras bandas. Nós nos distanciamos no sentido em que -- dentro de todos os rótulos que existem hoje para música pop brasileira -- eu acho que não estamos relacionados com nenhum deles. Quanto a mim, eu particularmente não consigo ter um certo distanciamento para saber como as pessoas me enxergam nesse aspecto. Mas contestar é um traço da minha personalidade, de procurar saber a razão e a origem das coisas para poder entender o paradigma. Nem gosto de generalizar, pois existem artistas bastante engajados como MV Bill, Gabriel o Pensador, entre outros que nem aparecem tanto, mas fazem a parte lhes cabem nas questões sociais e políticas. Mas acho que a classe artística está muito ausente e, se estivesse mais empenhada, acho que conseguiríamos colocar mais pressão para que as coisas mudassem. E a nossa geração é absolutamente descompromissada com essas questões.

http://musica.uol.com.br/lancamentos/2008/04/11/ult1475u678.jhtm

DETONAUTAS
"O Retorno de Saturno"
Em seu quarto álbum de estúdio, o Detonautas renova sua identidade sonora e aparece mais melódico e emotivo. Demérito algum para a banda carioca formada em 1997, pois a atitude inerente ao padrão roqueiro carioca é suplantada com louvor pela faceta mais calma que a banda apenas enunciava em seus primeiros lançamentos.

Musicalmente, o disco impacta pela ausência da distorcida psicodelia cheia de testosterona com a qual o grupo se notabilizou desde os primórdios. Com veladas menções a esoterismo e temas mais rebuscados, o líder da banda Tico Santa Cruz também se mostra um letrista mais maduro e demonstra maior eficiência na elaboração de suas composições. Assim abre espaço a um escriba que a cada novo álbum destaca-se acima da média do tradicional lirismo pueril do pop rock mainstream.

E a música do grupo também soa mais vigorosa, apesar da enfatizada delicadeza dos temas. Pois os músicos que secundam o cantor -- Renato Rocha (guitarra), DJ Cléston (toca-discos), Tchello (baixo) e Fábio Brasil (bateria) -- também interagem de forma mais coesa, cientes de seu trabalho de dar embasamento musical aos temas propostos pelo vocalista. Há espaço até para um velado vaudeville roqueiro, musicalidade distinta à sonoridade pregressa do grupo, sem ranço pretensioso ou resvalo no humorismo involuntário - à exceção da ironia infantil da canção "Eu vou vomitar em Você".

No primeiro álbum do grupo pela gravadora Sony BMG, o letrista Tico Santa Cruz ainda demonstra limitações menores em seus textos -- sua maturidade intelectual como letrista é um processo que se realiza gradativamente. No entanto, a ousadia de não temer dar passos maiores ou mesmo de adentrar no terreno pantanoso do pastiche lhe garante um lugar de destaque para este trabalho na discoteca básica do rock popular brasileiro contemporâneo.

Produzido pela própria banda, Tomás Magno e Fernando Magalhães, "O Retorno de Saturno" destaca temas pungentes como a faixa-título, "Nada é Sempre Igual", "Verdades do Mundo", "Oração do Horizonte", "Soldados de Chumbo" e "Ensaio sobre a Cegueira". As rádios FMs brasileiras têm em suas mãos um trabalho que evidencia o gradativo amadurecimento de toda uma geração roqueira, tendência que se torna regra no panorama no pop rock nacional vigente.(MARCUS MARÇAL)
Gravadora: Sony BMG

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