DE ORELHADA IV
O Barco Além do Sol – Marcelo Bonfá (Trama)
Pop bem-formatado
Pop bem-formatado
É uma bela surpresa o primeiro trabalho solo do ex-baterista da Legião Urbana. Aqui ficam evidentes as contribuições de Bonfá no processo criativo de seu antigo grupo. Imperam tramas de teclados, estas colorem canções pop bem-formatadas, com letras bastante confessionais ao ponto de até podermos associar identificação a alguns momentos de nossas vidas.
Mas O Barco Além do Sol é, acima de tudo, uma compilação de canções de amor. Isso fica evidente na auto-indulgência presente em várias passagens do álbum, que se assemelham a um pedido de desculpas a quem você ama. Tudo isso embalado por canções pautadas por ambiência etérea e com um recatado acento roqueiro. Ponto para Bonfá que conseguiu extrair beleza da banalidade do dia-a-dia, em baladas que portam temáticas universais em bonitas canções que mais parecem porta-retratos.
É um disco sereno, plácido, que transmite calma e conforto ao ouvinte, um alívio para as neuroses e estresses do cotidiano. Aqui temos baladas aparentadas ao material produzido pela Legião Urbana posteriormente ao álbum As Quatro Estações, como atestam “Ouro em Pó”, parceria de Bonfá com Fernanda Takai e John Ulhoa do Pato Fu, a música de trabalho “Depois da Chuva” e “Vera Cruz”. Esta última é um tema apropriado aos 500 anos da Terra Brasilis, repleto de boas expectativas relacionadas à boa índole do brasileiro.
Nesse trabalho, Bonfá celebra sua vida em família. O álbum é uma homenagem a sua esposa Simone, a quem é dedicado o disco. Tanto é verdade que o batismo do álbum rendeu uma história curiosa: Barco Além do Sol foi um título escolhido pelo filho do cantor, Thiago. O garoto de oito anos foi testemunha silenciosa do trabalho do pai e, para surpresa de Bonfá, se saiu no improviso com um nome mais que apropriado para o trabalho.
Sintomaticamente, o ex-baterista da Legião Urbana vislumbra horizontes além do que poderíamos imaginar. Bonfá acena ao passado ao mesmo tempo em que atenta para perspectivas futuras. É o que se ouve em canções como “Veleiro de Cristal” e “Todos os Sonhos do Mundo”, músicas distintas do padrão Legião Urbana.
Mas o melhor fica para a faixa que fecha o disco. Em “Aurora do Subúrbio”, o cantor-baterista consegue o intento de retratar com propriedade a dualidade “amor carnal e amor espiritual” em formato de música pop. Nela, o fanfarrão de outrora Fausto Fawcett apresenta uma inédita faceta romântica, concretizada na letra da canção em um formato bastante distinto ao qual se notabilizara. Por essas e outras razões, Marcelo Bonfá afirma sua sobrevida artística após o fim da Legião, sem precisar cortar laços com seu passado glorioso.
Texto de Marcus Marçal publicado em 16 de maio de 2000 no jornal Gazeta do Povo (Curitiba/PR). Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via email.
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