O SOM DA MÚSICA: CANHOTO DE INGRESSO IX

Thursday, December 27, 2007

CANHOTO DE INGRESSO IX

ROCK É ROCK MESMO (Resenha versão "diet")
Chris Cornell, Credicard Hall/SP (13/12/2007)

Finalmente os brasileiros assistiram ao vivo o ex-frontman do Soundgarden, Temple of the Dog e Audioslave. A escala paulistana da excursão de Carry On reviu honestamente canções de projetos distintos, em parte pela contribuição da banda de apoio formada por seus apreciadores. Foram doze temas do Soundgarden, oito do Audioslave, duas versões e mais seis faixas da fase solo de Cornell em uma apresentação de duas horas e meia.

Let me Drown” e “Outshined” abriram os trabalhos. O cantor não tocou guitarra e rechaçou comentários pejorativos quanto à precisão de seu canto. “You Know My Name”, “No Such Thing” e “Billie Jean” atentaram ao novo álbum, com citação à “The House of the Rising Sun”. Munido de seu violão refez seis temas intimistas no set solo, botando a platéia pra cantar. Também surpreendeu os mais velhos com “Loud Love” e “Seasons”, citando “In my time of Dying”, destaque de um show memorável. “Slaves and Bulldozers” foi o grand finale , generoso pout-pourri de vários temas, e o cover “Whole Lotta Love” arrematou o set.

Com sua vinda ao Brasil, fecha o pacote de shows grunge. Não malograssem tentativas de se trazer o Soundgarden ao país em 1994, foi o melhor momento para uma excursão do cantor, oportunidade única para a revisão de seu repertório, com ênfase ao cancioneiro do compositor. O desfilar atemporal de petardos roqueiros não soou enferrujado pelo passar dos anos. Ao contrário, garantiu que a linhagem de rock inteligente é imune ao fator tempo.
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ROCK É ROCK MESMO (Resenha Versão "Feijoada")
Chris Cornell, Credicard Hall/SP (13/12/2007)


Finalmente os brasileiros conferiram ao vivo a performance do ex-frontman do Soundgarden, Temple of the Dog e Audioslave em discreta excursão solo. O evento preencheu lacuna do histórico de shows de rock no país e, apesar de promover o recém-lançado Carry On, segunda empreitada solo do cantor e compositor, notabilizou-se pelo roteiro
revisionista e generoso ao abranger vários momentos da carreira de Cornell: foram doze temas do Soundgarden, oito do Audioslave, duas releituras de material alheio e mais seis canções de sua fase solo em uma apresentação de aproximadamente duas horas e meia.

Começou com dois números festejados do Soundgarden, “Let me Drown” (de Superunknown/1994) e “Outshined” (de Badmotorfinger/1991), ressaltando a categoria da banda de apoio de Cornell, que se concentrou apenas nos vocais em quase a toda a apresentação. A configuração permitiu ao cantor demonstrar tranqüilamente todo o potencial e ainda rechaçar comentários pejorativos de que o passar dos anos levou embora a precisão com a qual sua voz alcançava as notas mais altas. Uma besteira! Pois desde os primórdios do Soundgarden, nunca foi cantor de repetir performances como nos discos, conforme convém à tradição roqueira.


O standard do Audioslave “Show me How to Live” (do álbum epônimo, de 2002) seguido de “You Know My Name”, single de Carry On (2007), atentou ao material mais recente do compositor enfatizando a qualidade de sua carreira solo, demérito algum em relação às suas empreitadas coletivas mais festejadas. “No Such Thing” e a releitura pesada de “Billie Jean” (ambas de Carry On), com citação à tradição oral eternizada pelo mantra de puteiro “The House of the Rising Sun”, reforçaram essa perspectiva, facilitando o trânsito entre variadas facetas de seu cancioneiro.


Reafirmando o perfil antológico do roteiro, a seqüência “Be Yourself” (de Out of Exile/2005), “Hunger Strike” (de Temple of the Dog/1990) e “Spoonman” (de Superunknown/1994), canções de projetos distintos, fluiu adequadamente e sem sobressaltos na dinâmica do espetáculo – em parte pela contribuição da banda formada por apreciadores de seu trabalho, equipe versátil jogando a favor da coletividade, permitindo ao frontman revisitar comodamente seu farto catálogo. Embora não sejam instrumentistas acima da média como os integrantes do Soundgarden, o time de Cornell cumpriu perfeitamente seu papel. Emulou a primeira banda do cantor sem parecer caricatura e verteu adequadamente o material do Audioslave com uma pegada mais roqueira, sem as presepadas do datado guitarrismo de Tom Morello. Vale lembrar que o guitarrista criou um estilo muito pessoal junto ao Rage Against Machine, imitado por muitos, mas soava deslocado demais ao secundar o rock básico de Cornell no Audioslave, mesmo funcionando a contento em estúdio. O revisitar das guitarras do Soundgarden durante a turnê de Out of Exile foi uma experiência constrangedora.


Apesar do início repleto de hits, a apresentação só ganhou força no desenrolar do set. E se a audiência ainda se ressabiasse de uma das melhores apresentações roqueiras do ano no país, a interação entre artista e platéia esquentou gradativamente, garantida pelo estofo instrumental flexível o suficiente para revisar, sem distinção, qualquer momento da trajetória comercial de Cornell. Ganha a audiência, ele partiu para um set acústico, aproximando-se mais de seu público.


Munido apenas de seu sofisticado violão, refez de forma intimista “Getaway Car” (de Audioslave/2002) mais a dobradinha aperitiva “Call Me a Dog”/“Preaching the End of the World” (de Temple of the Dog/1990 e de Euphoria Morning/1999, respectivamente), que desembocaram em “I am the Highway” (também de Audioslave). A platéia domada cantou o refrão de “Like a Stone”, outro número do álbum epônimo, como se fosse uma canção extremamente fácil, o que definitivamente não é, enquanto “Doesn't Remind Me” (de Out of Exile/2005) serviu de ponte entre o set solo de Cornell e a volta da banda inteira ao palco, a partir de metade da música.


Todos de volta aos postos, foi a vez de o rock pesado com forte acento setentista de “Cochise” (de Audioslave/2002) evidenciar a apropriada recarga de ânimos no momento intimista para o decorrer do roteiro, com direito a piripaques de ritmo sincopado nos batuques antes do trovejar peso-pesado na entrada da banda. O que deu moral à banda se aventurar em “Loud Love” (de Louder than Love/1989), clássico da fase inicial do Soundgarden, da época em que a banda ainda emergia do cenário alternativo do rock independente americano nos 80, em gradativa aceitação por parte de uma maior audiência que, de fato, só aconteceria em 1991, com todo o hype em torno do Nirvana, notório boi-de-piranha do grunge. Foi a única concessão ao Soundgarden mais antigo, apesar de Cornell ter até declarado que verteria pelo menos uma canção de cada um de seus lançamentos. Em outras palavras: apesar do perfil retrospectivo do roteiro, a fase indie do Soundgarden, marcada pelos EPs Screaming Life (1987) e Fopp (1988) mais o álbum Ultramega OK (1988) sequer foi mencionada no show, o mesmo vale para Revelations (2006), álbum de despedida do Audioslave.


Um dos destaques de Carry On, “Arms Around your Love”, mandou às favas qualquer resquício de viuvez pelo rock sovaqueiro noventista e foi seguido por “Fell on Black Days”, um dos retratos mais elegantes da ressaca pós-grunge, junto a sua contemporânea “Black Hole Sun”, atestados de resignação à vida real, evidenciando adaptação ao sinal fechado do “eles venceram” típico do agora longínquo primeiro semestre de 1994. Época em que o prazo de validade vencido do apelo pop influente do verossímil rock de Seattle acentuou o desgaste de sua fórmula, repleta de cópias fajutas via grunge de gravadora, dando espaço em âmbito popular ao roquinho diet e insosso do britpop e também à histeria eletrônica, trilha de um futuro robótico, pautado por tesão frígido e asséptico.


What you Are”, do epônimo Audioslave, ajustou a cronologia ao passado recente, mas “Rusty Cage” (de Badmotorfinger/1991), canção responsável pelo último vislumbre luminoso da carreira do jurássico casca-grossa Johhny Cash, tratou de levar novamente os veteranos a um contínuo retorno ao passado. Ou até mesmo ao futuro, quem sabe, de uma improvável reunião do Soundgarden. Válida somente se trouxesse consigo um disco de inéditas, pois trata da trajetória de uma banda sempre marcada pela evolução de sua linguagem musical. Rock pesado, sofisticado e inteligente a reforçar o fator integridade, artefato hoje tão esquecido ou mesmo relegado ao segundo plano, se levarmos em conta a infinidade de dinossauros e múmias musicais a levantarem da tumba em busca de alguns trocados nestes tempos de desenfreados downloads, nos quais um catálogo bem-sucedido não mais garante o ganha-pão dos tempos de outrora. Tarefa quase impossível, pois o exímio baterista Matt Cameron parece bastante adaptado, sub-aproveitado e até talvez acomodado, ao ritmo de gravações e turnês com o Pearl Jam – atualmente em período de recesso, o que poderia até mesmo ser um bom sinal... Poderia...

Uma rápida pausa para o bis e todos retornam para uma versão de “Seasons”, da trilha sonora do filme Singles (1992), primeira incursão solo de Cornell, então apenas o cantor do Soundgarden. Mas ao contrário da versão original, de violão e voz somente, Chris Cornell se relegou aos vocais, acompanhado por sua banda. Como acontece em disco, as levadas em violão afinado aberto em ré maior, tal como no disco, foram divididas em dois instrumentos até a entrada gradativa da cozinha a dialogar com o violeiro folk metálico de forte acento zeppeliniano, referência explícita ao ponto da inclusão de versos de “Im my time of Dying”, canção de domínio público eternizada por Bob Dylan em sua epônima estréia em disco (1962) e pelo Led Zeppelin em Physical Grafitti (1975), escondidos no meio da música como uma reverência ancestral.

Burden in my Hand” (de Down on the Upside/1996), única concessão ao canto-de-cisne do Soundgarden, manteve a revisão elegante do repertório do cantor, enquanto “Can't Change Me” (de Euphoria Morning) enfatizou sua coerência criativa, tão ofuscada pelas comparações com o Soundgarden na ocasião do lançamento do primeiro álbum solo de Cornell, no longínquo 1999.

Slaves and Bulldozers” (de Badmotorfinger) foi o ápice do show, capitaneando um longo pout-pourri de vinte minutos. Repleto de improvisos, o grand finale começou com um longo solo de bateria, com direito a um desnecessário samba de gringo sem suíngue, e transitou por trechos de “Searching with my Good Eye Closed” (de Badmotorfinger), “4th of July”, “Like Suicide” (ambas de Superunknown) e “The End” (Doors). O cover de “Whole Lotta Love” arrematou o set list, sintonizando banda e platéia ao zeitgeist roqueiro do momento: a possibilidade de uma vindoura turnê mundial do Led Zeppelin, semideuses saídos direto do Olimpo imaginário pop para uma inesquecível experiência supersônica a ser desfrutada por gerações que não tiveram a oportunidade de assisti-los no auge da forma – uma das referências musicais mais evidentes no rock de Seattle.

Com a vinda de Cornell ao Brasil, a audiência brasileira teve a oportunidade de assistir a todos os nomes mainstream da última leva recente de rock'n roll a dominar o planeta, algo que devido às circunstâncias atuais nunca voltará a se repetir em escala quase planetária – nem mesmo em revival. Na verdade, a experiência do tempo decorrido hoje nos leva a crer que o grunge nada foi além do último espasmo do rock, enquanto fenômeno pop, no mundo globalizado. Apesar da facilidade de disseminação de música livre de convenções comerciais propiciada pela aldeia global, a descentralização do foco hoje se perde na indeterminação, pela infinidade de música produzida nas mais variadas vertentes, em desproporção geométrica à procura e ao estreito funil da visibilidade. Nunca foi tão fácil fazer música, mas também nunca foi tão difícil a lagarta sair do casulo.

É claro que o ideal teria sido os brasileiros terem a oportunidade de assistir à performance de Cornell e Soundgarden ainda em 1994, não malograssem as tentativas de se trazer o grupo ao país no rastro das apresentações memoráveis de Nirvana e Alice in Chains no ano anterior. Mas, ao contrário do que se pode imaginar, por intermédio das experiências temporãs de Mudhoney e Pearl Jam, inesquecíveis, mas com um leve ranço de mofo passadista, este foi o melhor momento para uma excursão do cantor pelo Brasil. E também oportunidade única para a revisão de seu repertório em um roteiro a celebrar o catálogo musical de um compositor acima da média roqueira.


Pois o Soundgarden foi a banda mais sofisticada daquilo que inventaram de se chamar “grunge” e a carreira solo de Cornell foi ofuscada pela repercussão injusta em razão do luto recente dos fãs quanto ao grupo, enquanto o Audioslave foi algo como a união do útil ao agradável. A evolução da identidade da banda foi acumulativa, mas sucumbiu ao fator saudosismo em tempo de não queimar o filme. Portanto, nada melhor do que poder apreciar agora, durante a excursão de seu segundo álbum solo, esta variada coleção de petardos roqueiros do cantor que, amarrados a um roteiro enxuto, enfatizam o melhor de sua contribuição em cada um de seus projetos distintos eternizados em disco. Enfim, seja com o Soundgarden indie ou mainstream, Temple of the Dog, Audioslave ou mesmo solo, a categoria deste compositor de primeira se evidenciou naturalmente no espetáculo.

Ao contrário de suas conexões grunge sugerem, a música de CC não cheira a desodorante vencido, desde os primórdios sempre notabilizada por uma sonoridade pesada, elegante e sofisticada. É reverente ao melhor da tradição roqueira, porém sem resvalar na caricatura brechó de tantos pastiches setentistas. O desfilar atemporal de petardos roqueiros não soou enferrujado pelo passar dos anos. Ao contrário, garantiu que a linhagem de rock inteligente é imune ao fator tempo.

Textos de Marcus Marçal, exceto quando ressaltado. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via email.

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