O SOM DA MÚSICA: MINHA BANDA PODE SER MINHA VIDA XVI

Thursday, July 19, 2007

MINHA BANDA PODE SER MINHA VIDA XVI

ANDALUZIA

Quando comprei meu violão de doze cordas, imediatamente saí compondo um monte de temas acústicos. Havia passado um bom tempo mergulhado na obra do Dylan e do Shakey e achei que era hora de fazer uns lances mais leves para contrabalancear os temas mais barulhentos do restante das músicas da banda. Outro fator que desencadeou essa onda mais intimista foi a primeira pausa longa de ensaios, em função de uma situação delicada que os caras da banda passaram em suas vidas, o que levou um deles a questionar se continuaria tocando ou não. Isso foi lá por volta de 2004, se não me engano. E por esta razão, acabei primeiro descolando duas violas elétricas antes mesmo de conseguir as novas guitarras que precisava. Pensei que a banda talvez não vingasse, então seria mais jogo ter violões porque, na pior das hipóteses, eu mesmo faria meu som sozinho, by myself.

Foi a fase mais produtiva do meu aprimoramento "técnico" como guitarrista desde o "treinamento intensivo" a que me submeti lá pelo início dos 90, naquele período em que me era praticamente impossível montar uma banda lá na Baixada Fluminense. Acabei deixando de lado o meu velho violão com o qual tive algumas lições mais formais de violão clássico e passei a treinar diariamente com as novas violas: primeiramente com um violão de seis cordas e a partir de um ano depois com um violão de doze cordas. Com estes novos instrumentos, de qualidade bem superior a qual eu me acostumara até então, de uma hora para outra pude exercitar de verdade as afinações não-ortodoxas do instrumento, coisa que até a ocasião era apenas um esboço, pois os novos instrumentos aguentaram perfeitamente o trampo, principalmente no que diz respeito ao colorido dos harmônicos. A diferença era gritante.

Nessa época, fiz parte das músicas mais novas das Andaluz Aurora Demos, exceto as que surgiram de improviso coletivo nos ensaios ("Lo Vale Della Luna", "Verve", "Beladona" e "Masquerade"). Entre elas estavam "Cantiga" (que mais tarde eu batizaria de "Sonata ao Luar", "Este Vulcão" (que mais tarde eu passei a chamar de "Sol Negro" por causa de uma nova letra que nunca coloquei em prática), "Cores Vivas" e "Luna". "Andaluzia" também é dessa safra e surgiu como um tema instrumental que toquei durante um bom tempo, até finalizar o texto final em duas tacadas. Pensei na música como uma balada estradeira, imaginando-nos tocando pelas bibocas que existem pelos cantos deste país. Passei boa parte da minha juventude viajando de ônibus regularmente, pois meus pais moram no interior, então sempre que eu tocava ou escrevia parte da letra, eu relembrava estar vendo a paisagem da estrada pela janela do busão. Era para ser um lance com cheiro de vegetação de beira de estrada, de poeira, mas que de alguma forma me remetesse a um belo banho de cachoeira ou de praia ao final da jornada. Sabe-se lá o que isso significa...

Também queria expressar uma sensação de quem chega em casa, sendo lar qualquer lugar que te acolha com o aconchego suficiente para te fazer sentir-se em casa. Sem forçação de barra... Aquele lance de quem sabe muito bem como educar, de não querer criar águia em ninho de passarinho. Parte da letra é explicitamente dedicada aos meus pais, ainda que possam haver interpretações errôneas do texto. Na verdade nunca me senti realmente enraizado em lugar algum, sempre fui estrangeiro em qualquer lugar que chegasse... Daí talvez venha a minha necessidade de buscar o tal sentimento de acolhimento que expressei no texto da música. E durante um período triste, cheguei até a associar a mim mesmo com o personagem de David Banner, aquele que nunca conseguia parar em lugar algum. Na verdade, isso nem é para ser levado em conta literalmente, mas o sentimento de inconstância ou mesmo a ansiedade foi algo que volta e meia me acometia e acredito que muita gente também se sinta assim.

Foi assim com o meu pai na juventude dele, o que o levou a devorar livros e me transmitir esta devoção aos textos hereditariamente. Na verdade, é uma constante em vários personagens legendários da literatura. Tanto é que volta-e-meia alguém me surpreende com indicações de livros acerca do tema. Na verdade foi a chave que me concederam para buscar soluções em lugar que melhor não há de existir além de mim mesmo. Quem não é afeito a saborear livros dificilmente haveria de conceber entendimento a bla-bla-blás deste tipo. Mas cada pessoa possui dentro de si a capacidade de encontrar acolhimento nos recantos que sua alma se conforta...

Provavelmente a letra da música poderia até ser mais cabeçuda. Poderia aludir aos tempos das Grandes Navegações em função do próprio nome da cidade espanhola, mas não me restringi a isso. De qualquer forma, o clima bucólico do período tão bem expresso pelo Marceleza em "A Ferro e Fogo" até está presente, ainda que transposto para uma outra época, para uma outra realidade. Mas esta realidade também está suspensa em relação ao tempo cronológico, portanto vale mais como expressão de sensações ou sentimentos do que propriamente por uma avaliação objetiva demais ao ponto de dissecar o que apenas pode ser sentido.

"Andaluzia" também poderia ser título vago o suficiente como o nome da banda, Andaluz - um nome vago o suficiente para ser preenchido com variados significados, como um balão de gás é preenchido com ar. Já Andaluzia poderia ser uma qualidade substantivada de Andaluz. Sei lá, na verdade são apenas nomes e gosto que sejam suficientemente vagos porque canções não precisam necessariamente trazer em si verdades absolutas ou, humm sei, "metafísicas". Queria também algo que remetesse à brasilidade de um caipira pirapora, nossa! Algo que remetesse simbolicamente à iconografia que caracteriza parte de nosso povo, principalmente nas regiões mais interioranas - aquela pureza de coração e capacidade de acolhimento típicas da hospitalidade do povo interiorano. E a inspiração para boa parte das canções mais singelas dentre as Andaluz Aurora Demos, me refiro àquelas que cabem perfeitamente no formato de voz e violão, surgiram de improvisos meus que criei nos intervalos de uma antiga série que adoro: Everwood. Não vou ser assim tão preciso aqui, mas aquela história me conectava de uma forma muito acolhedora com meu próprio passado, principalmente com o cara bacana que eu fui e sempre vou ser. Quando falo em inspiração, me refiro à parte musical, à faceta mais emocional destas canções. A parte cerebral, ou melhor textual, eu fui elaborando posteriormente.

"Andaluzia", assim como a canção "Andaluz Aurora", que também é conhecida pelo subtítulo "Luzidia Madona", também é uma reverência à iconografia religiosa de nosso povo, ao acolhimento simbólico mas indiscutivelmente concreto, uma vez que se trata de assuntos da fé, que a padroeira de nosso povo nos relega. É também como a imagem de um imenso coração materno, inerente à feminilidade, sempre a acolher quem a procura ou quem precisa de orientação. Foi um pouco a partir desta perspectiva que comecei a escrever estas duas canções: "Andaluzia" e "Andaluz Aurora", esta última é a que abarca simbolicamente os demais temas em um só pacote. E vale lembrar que "Andaluz Aurora", a canção, só foi disponibilizada até hoje em uma gravação caseira, sem os vocais cuja melodia ornamenta o texto bonito que eu fiz. Prometo falar mais desta música por aqui em breve, ok?

Não sei se até hoje fui enfático o suficiente para ilustrar minhas motivações em escrever estas canções, mas acho que é um exercício de aprimoramento este desatar de nós a que me proponho por aqui ao descrever em texto minhas perspectivas criativas. Como já disse, boa parte das canções mais singelas das Andaluz Aurora Demos surgiram de improvisos e seus textos foram em grande parte manifestações de fluxos de consciência. E o interessante é que, enquanto bolava os temas, eu sequer imaginava que reencontraria a linda, minha antiga namorada dos tempos de adolescência. Foi a partir de nosso reencontro, e de tudo de bom que nos aconteceu desde então, que meus devaneios criativos em formato de fluxo de consciência cada vez mais me foram dotados de significado e carga simbólica, certamente no que há de melhor nisso tudo... No que irradia inspiração em minha direção, pois amor só se retribui com amor...
CONTINUA...


Texto de Marcus Marçal. Todos os direitos reservados ao autor. Não é permitida a reprodução deste texto de forma alguma sem permissão prévia, seja em sua forma integral ou parcial. Por favor, contate-me antes via email.

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